segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

PERFIL DO EDUCADOR CORONEL MANOEL JOSÉ DE ALMEIDA

TEXTO PRODUZIDO PELA SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DE MINAS GERAIS EM MEADOS DOS ANOS 80

Nascido a 23 de setembro de 1912, em Januária, Minas Gerais, aos dezesseis anos de idade ingressou na Polícia Militar do Estado. Fez o curso de Formação de Oficiais iniciando assim sua carreira militar.


Desde o posto de aspirante procurou uma nova concepção de educação. Passou a abordar temas educacionais nas revistas da própria corporação, sempre cunhados na expressão “educar e assistir” ao invés de “vigiar e reprimir”.

Preocupou-se desde cedo com o menor abandonado, na visão de que ele vive a última fase de uma séria de “tombos” iniciados com família que, por falta de recursos migrava para a cidade: a menina que se prostituía e o menino que se transformava em pequeno marginal.

Lembra, o Cel. Almeida que alguém tem afirmado ser carente, aquele que recebe até 5 ( cinco ) salários mínimos. Ele “para não transformar o país todo em carência”, admite como carente quem recebe “até dois salários mínimos”. Essa faixa é reforçada por aqueles que não têm pais ou responsáveis capazes de propiciar os benefícios básicos. Essa parte da população viria formar a “matriz geradora” de todos os males sociais do país, sobretudo nas áreas urbanas.

Afligido por essa problemática, Cel. Almeida considerou sempre que esse homem transformado em marginal se tivesse sido criado num lar com carinho, a afeição, o amor que todo ser humano exige, de fato, para sua sobrevivência, teria, por certo, outra posição na sociedade. Perseguiu, pois, a ideia de que um simples casal poderia responder pelo carinho e pela educação de dezenas de crianças. O sistema acolhedor de um lar é indispensável para a formação do homem. A pessoa humana é forjada, moldada pela família.

Ao tempo do Governo Milton Campos procurou inserir como responsabilidade da Polícia Militar, a missão de educar e transformar em órgão de profilaxia social e não só terapêutico. Foi com esse espírito que coordenou a reforma do ensino militar, inserindo nos currículos, matérias humanísticas e profissionais.

Em setembro de 1947 sugeriu que se aproveitasse uma fazenda destinada à remonta, no município de Esmeraldas, para cuidar de menores abandonados. O Governador e o Secretário do Interior acataram a ideia e encomendaram-lhe um plano.

Relutou em aceitar, pois embora fosse interessado pela educação e preocupado com o destino da criança abandonada e do menino carente, não tinha uma preparação específica e era uma tarefa absolutamente estranha à corporação.

Diante, entretanto, da insistência de seus superiores, o “autodidata” levou à frente sua ideia.

“Crianças e batatas juntas apodrecem.” E isso o levava a crer mais fortemente que a criança precisa crescer num lar, com a assistência de pais adotivos, pois só noutro lar o menor abandonado poderia voltar à sua condição humana.

Fez o plano (publicado depois na Revista de Ensino) e surgiu assim sua primeira escola. A escolha do nome teve origem, segundo seu fundador, numa inspiração momentânea: era ainda recente o impacto causado pelo desastre ferroviário na serra da Mantiqueira que conduzia a tropa escoteira Afonso Arinos. E ele, nessa ocasião, tomou conhecimento da epopeia do escoteiro Caio Martins, de 15 anos, que apesar de ferido em meio aos destroços, disse a quem o socorria: “Há outros feridos em piores condições, um escoteiro caminha com as próprias pernas.” Forma suas últimas palavras. Palavras que se tonaram o lema da família Caiomartiniana, formada alguns anos depois.

Simples, sem dispor de muitos recursos, a Granja-Escola da Fazenda Santa Tereza teve seu começo num velho paiol, adaptado para receber seus primeiros dezoito meninos selecionados pelo Serviço de Menores, vindos da Cidade Ozanam, a 03.01.48.

O trabalho iniciou-se de fato, uma semana depois quando voltou à fazenda para a primeira visita. Aquelas crianças à sua frente eram uma página da sociologia aplicada: macacão azul, descalços, sinais evidentes de atrofia alimentar e verminose, uma tristeza no olhar que indicava a falta de perspectiva pela vida.

Quando saiu desse encontro, tinha pronto o programa “Caio Martins”: responder às necessidades do indivíduo e do meio, caminhando com as próprias pernas. Deste modo, sem fazer nenhum estudo de organização escolar, teve uma resposta que direciona, até hoje, a vida da entidade.

Foram e continuam sendo seus objetivos, abrigar menores carentes e assistir ao homem do campo, uma decorrência do próprio fato natural que instituía a reciprocidade de interesses.

E, da simplicidade de um lar, forma adotada como processo educativo, e em cujas regras de estruturação por afetividade assentou-se toda a filosofia da obra, a Escola transformou-se em uma grande família. A Granja-Escola passou a ser uma comunidade modelo, onde todos os valores humanos afloravam e, o menor era envolvido e ajustado.

Paralelamente aos ensinamentos do então curso primário, desenvolveram-se as atividades agropecuárias e outras ligadas às oficinas de bombeiro-eletricista, sapateiro, alfaiataria, marcenaria, enfermagem, etc. Tudo para ensejar aos alunos o aprendizado para a qualificação profissional, podendo, assim, a Escola-Fazenda ser autossuficiente e preparar o aluno para a vida.

Aos poucos, comunidade começou a ser envolvida, chegando a participar da missa aos domingos; do coro orfeônico onde cantavam adultos e crianças, harmonizando-se as vozes dos meninos, funcionários e homens do campo; do futebol, das atividades do Grêmio, com suas apresentações teatrais, muitas vezes, criadas pelos próprios alunos; assistência médico-dentária. Foram criadas ainda, a farmácia e uma casa de comércio.

Quando a primeira escola tinha quatro anos e meio de criação, em 1952, ao tempo do governo JK, houve o primeiro desdobramento da entidade, em Buritizeiro, uma vila de pescadores no município de Pirapora.

Após uma reunião com o grupo que foi notificado da experiência, apresentaram-se dez voluntários (12 a 16 anos) todos precariamente qualificados, porém capazes de ensinar o que aprenderam (eletricista, mecânico, tratorista, sapateiro, alfaiate, oleiro, padeiro, bombeiro-hidráulico, enfermeiro, professor – portador apenas do ensino primário), coordenados por um adulto que era pintor. Preparada a equipe pela própria escola, partiu sua primeira bandeira.

A fazenda tinha apenas um prédio velho, antiga escola média de Agricultura, exigindo uma reforma que envolveu limpeza e construção de rede de água e esgoto.

Após 45 dias de trabalho recebeu 56 menores da região, a maioria filhos de deslocados nordestinos que iam ficando em Pirapora.

Essa era uma região miserável. A escola passou a ser o centro de interesse do lugar. Em tudo que se fazia na comunidade, a escola estava presente. Até mesmo levar doentes ao hospital em Pirapora. A região beneficiou-se tanto com as atividades, serviços e organização social da escola que, dentro de pouco tempo, a vila elevou-se à categoria de cidade.

Em 1953, a Granja-Escola de Esmeraldas (Fazenda Santa Tereza), abre as portas às meninas. Ao mesmo tempo, inicia o Curso Normal Regional, preocupada em dotar-se melhor para prestar assistência à família das comunidades rurais.

O curso procurava proporcionar aos alunos, também, a oportunidade da aquisição de uma profissão. Tinha a preocupação de entrelaçar as matérias teóricas e as de natureza profissional. O ensino tinha um sentido prático. Assim, o professor de desenho, após as noções de desenho geométrico, conduzia os alunos às oficinas, para a aplicação da teoria. O Curso Normal Regional da Fazenda Santa Tereza antecipou-se, em muito, aos Ginásios Orientados para o Trabalho e aos Polivalentes.

Atendendo a novo apelo do Governo, a Fazenda de Esmeraldas prepara uma equipe, por 10 (dez) meses, de 12 meninos (12 a 16), qualificados em diferentes profissões, para implantar novo núcleo.

Esta bandeira se instalou na Fazenda “Bom Sucesso”, às margens do Carinhanha, em barracas montadas numa clareira, à beira do rio. Obstinadamente, esses jovens venceram os obstáculos que se apresentaram - a tuberculose que era uma praga propensa a dizimar a escassa e subnutrida população, a verminose e o impaludismo. E, lentamente, novos hábitos alimentares foram introduzidos. A pobre região, dois anos depois, já tinha 200 casas de telha e 67 famílias já plantavam e colhiam em glebas. Hoje é a Vila Juvenília (terra de jovens) no município de Montalvânia.

Como as casa Caio Martins não eram suficientes para abrigar toda a população que as procurava, no vale do São Francisco, foram instalados, em 1956, dois centros de treinamento de jovens líderes rurais em São Francisco e Januária. Esses centros recebem crianças que já cursaram até o 2º. Ano ali, as duas séries subsequentes, complementada pela profissionalização além de elementos para a racionalização da agricultura. À mulher, de um modo geral, são dadas prendas caseiras. Os jovens que desejarem dar continuidade aos estudos, apresentando aptidão, são encaminhados para a Escola Agrotécnica de Januária.

Até 1957, foram fundados seis educandários que se desenvolveram até 1962 tendo estruturado um verdadeiro sistema de educação e serviço social para a criança carente e as comunidades da sua área de atuação, sempre sob a orientação cuidadosa do Coronel Almeida.

1962 é o ano que determina a nova fase na vida das “Caio Martins”, inspirada em boas intenções, desvirtuando, entretanto, seu propósito.

Por decisão do Secretário de Estado da Educação, o Curso Normal Regional transfere-se para a Fazenda do Rosário. E à mesma época, a Polícia Militar transforma a Granja-Escola de Esmeraldas em uma de suas unidades. É bom lembrar que esta escola é a casa mãe. Nela se prepararam todas as equipes que vieram a formar novas escolas.

Até então, as “Caio Martins” subordinadas à Secretaria do Interior, eram apenas administradas pela PM, sem, contudo submetê-las às suas normas regimentais e disciplinares. Na nova condição, porém a instituição teve organização e disciplinas militares, com quadro de pessoal próprio e definido.

Com isso velhos servidores da entidade, imbuídos dos princípios que norteavam a organização, dela se afastaram. Certamente, decepcionados em ver o trabalho tomar novos rumos nada promissores.

Passaram-se oito anos. O Coronel Almeida não se entregou aos novos destinos determinado à obra criada por ele. E, também não se deixou desanimar. Conseguindo novos adeptos, pode, em 1970, ver seu trabalho se recompondo: por determinação do Conselho Estadual de Educação, o Curso Normal Regional retorna à Fazenda Santa Tereza.

No ano seguinte, a Polícia Militar solicita ao Governo do Estado a liberação das suas obrigações para com as escolas “Caio Martins”. O Governador decide o destino das escolas, transformando-as então, em Fundação, em 1974.

Retornam os antigos colaboradores, ex-alunos afastados, liderados sempre, pelo Coronel Almeida. Nesta ocasião foi composto o Conselho Curador da entidade e ele passa a ser Conselheiro Curador Honorário e vitalício da Fundação.

Pouco depois é criado o Centro Integrado de Esmeraldas, com o 2º grau profissionalizante, além do curso de Magistério.

A esse tempo, ao lado de todas essas atividades no campo educacional e assistencial, encerrou, brilhantemente, sua carreira politica na Câmara dos Deputados, em 1976, tendo sido relator da Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar o “problema da criança e do menor carente no Brasil”.

É da maior importância ressaltar, aqui, que cerca de noventa por cento dos cargos e serviços mais representativos do gerenciamento da entidade estão confiados a ex-alunos dos “Lares Caiomartinianos”. Os alunos tem orgulho de serem filhos da Caio Martins. E, quando saem da escola, dificilmente apresenta-se algum caso de o indivíduo não ter uma profissão definida.

Em casos de dificuldade, os próprios companheiros são solidários; outros são abrigados pela escola, procurando reorientá-lo e solucionar os problemas.

Um aspecto que tem caracterizado o trabalho da Caio Martins é o aproveitamento da pessoa de acordo com sua potencialidade e limitação. Quando do primeiro desdobramento da escola, por exemplo, um dos meninos que optou por formar a equipe era fronteiriço. Entretanto, era um bom oleiro. Integrou-se bem no trabalho e ninguém tomou conhecimento de sua deficiência.

Aliás, tem sido enfatizado na Fundação Caio Martins, a educação integral do indivíduo, com sua reintegração ao meio, no qual, marginalizado um dia, retorna, assumindo conscientemente papéis e funções de destaque. A educação não pode determinar, apenas, a simples adaptação do individuo ao meio de origem. Necessário se faz o esforço por uma abrangência maior. O individuo devera ser visto como um todo, em toda a extensão humana, intelectual, moral, social.

Este trabalho já tem sido desenvolvido empiricamente na Fundação. Entretanto, objetiva organizar e sistematiza-lo, tornando-o mais produtivo.

E é dentro dessa visão que a Fundação se preocupa seriamente com a falta de preparo do professor no trato do aluno carente. Não há sensibilidade, nem conhecimento para entender o mundo do menino pobre, onde povoam ideias, problemas anseios, sonhos, ate mesmo um linguajar próprio. E se não conseguir penetrar nesse mundo, não se pode esperar muitos frutos também. Dai nasceu a ideia de a Fundação criar uma curso ao nível de 3º grau objetivando estabelecer um vínculo de entendimento entre a formação acadêmica e profissional de nível superior e o ideal de serviço que Caio Marins podem gerar e transmitir. Pensa-se imprimir no curso, o caráter de universalidade de forma a contribuir para a formação humanística e eclética que possa habilitar o jovem ao trabalho, em áreas de latitudes, carências e solicitações as mais diversas.

Outro aspecto a se imprimir no Curso seria o de formar equipes multidisciplinares para a realização de trabalhos em áreas pioneiras e necessitadas.

E, inspirando tudo isso, está o Coronel Almeida, lutando para sua obra continuar crescendo. E ele, qual pai carinhoso e dedicado, jamais deixou de participar dos trabalhos das Caio Martins. Entretanto, sabiamente, formou-se um lastro tão firme que a instituição continua, ainda que ele se ausente.


Secretaria de Estado de Educação

Superintendência Regional

MM/MT

2 comentários:

  1. PAULA : Fui aluno da ESCOLA CAIO MARTINS DE ESMERALDAS,ano 1966 a 1970 seu avô vivo ainda estava, mas não o conheci pessoalmente,tenho feito todo um levantamento sobre esse tema . Voce tem ou sabe onde tem registros fotograficos dessa escola desde a fundacão, desde ja grato . Contato: efigenio.sales.lopes@gmail.com

    ResponderExcluir
  2. Nos anos 70 era prestador de serviço postal e fui em uma ocasião na solenidade na escola Caio Martins em Esmeralda e o orador era Manoel José de Almeida que falou com maestria dos nobres ideais que fazia dele este notável gestor na arte de fazer as coisas acontecer. Ele inspirou meu primo José Ortiga que seguiu seus conselhos e ingressou na honrosa Policia Militar e se tornou no Governo de Israel Pinheiro comandante da PM. Meu pai nasceu em Januária em 18\7\1925 e fez o ginásio no Colégio São João daquela cidade. Veio para BH e aqui criou raízes. Meu pai nos deixou em 13\6\2008 e vem nestas ocasiões um sentimento de gratidão. BH faz 120 anos em 12\12\17 e meu avo Arnaldo teria feito 120 anos em 5\2\2017. Todos os seus filhos fizeram a tal travessia e suas 5 noras estão vivas e netos, bisnetos e tri netos de Arnaldo estão espalhados por estas Minas Gerais.

    ResponderExcluir