segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

O ENCONTRO DO BURITI PERDIDO

Artigo publicado na revista Brasilia, ano 3, numero 27 de marco de 1959.

Brasília equivale, sem dúvida, a um novo dimensionamento da pátria.
A Nova Capital não vale apenas pelo seu aspecto material, como arrojada concepção arquitetônica e urbanística, a consagrar, entre nós, as mais convincentes conquistas da inteligência a serviço dos anseios de conforto e bem estar do homem civilizado; nem tão somente pelos benefícios a resultarem da retirada dos órgãos governamentais do tumulto do Rio de Janeiro e posterior localização dos Três Poderes em sítio de clima ameno e repousante. Importa isto sim - muito mais pela ampla significação social de que se reveste.
Ao lançarmos à contemplação da realidade brasileira, o que nos salta aos olhos, da visão panorâmica, é o gráfico de uma defeituosa distribuição de valores, fazendo erguer, ao longo da linha litorânea, em torno do atual centro administrativo, um autêntico Himalaia, que corresponde às áreas de maior adensamento demográfico. Contraste visual com o restante dos 33% ocupados do país, onde predomina a paisagem melancólica mal quebram insignificantes ondulações.
Esquecidas as fecundas e desoladas paragens goiano-mato-grossense e considerando, por motivo de ordem afetiva, apenas o São Francisco, tempos, por exemplo, como certo, que Brasília vai representar aquele esforço de valorização do homem, indispensável à mato-grossenses de recuperação da grande corda potâmica. Há dois séculos escreve-se, nas barrancas do "Nilo Brasileiro", uma página dolorosa de degradação, em que o homem abandonado ao despotismo de uma natureza singular, a um tempo, dadivosa madrasta, definha intelectual, técnica e socialmente. Centro irradiador de cultura e de riqueza, a Nova Capital surge, assim, ao deprimido habitante dos 115 mil quilômetros quadrados, que compõe os municípios ribeirinhos do noroeste do Estado, como autêntica via de salvação. Bafejo de u´a mentalidade nova, mercado compensador, valorização do trabalho e da vida. Não é só, porém. Se a obra que se ergue no Planalto é iniciativa do mais puro sabor nacionalista, não há a negar que se reveste também de evidente caráter universalista. Pois que, favorecendo, pelo deslocamento do centro de gravitação social da nação, o processo vitalizador de imensas áreas inaproveitadas, estará contribuindo, sem dúvida, no preparo do país para a predestinação histórica de aglutinador de povos, condição que sua extensão territorial, seus recursos naturais e suas possibilidades parecem lhe assegurar, em futuro não muito distante. Brasília será decisivo na fixação do estrangeiros nas promissoras longínquas regiões planaltinas. Um dia não muito remoto - veremos, certamente, as planuras, hoje, ermas do Planalto Central pontilhadas de núcleos e de campos de cultura, onde, lado a lado e, irmanados no mesmo afã de criara, de produzir brasileiros e estrangeiros estarão escrevendo a epopeia da civilização, em pelo coração da América. Então se dará o encontro do buriti perdido, com que sonhou o saudoso Afonso Arinos nos delicados vôos de sua privilegiada inteligência.
Ainda em fase de construção, a Nova Capital já nos deu prova cabal de sua vitalidade e capacidade no encaminhamento de problemas magnos da pátria e da influência salutar que exercerá, como elemento de penetração e de colonização, como a rodovia Belém-Brasília, empreendimento, há muito reclamado e que não mais se poderia adiar, como passo fundamental, no sentido da real ocupação, que se impõe , no anecúmeno desse imenso e desconhecido Brasil interior.
De tal sorte se define assim, a futura Capital que nenhuma crítica se poderá, com justiça, contrapor sua construção. A suposta precipitação censurada por alguns explica-se nas próprias circunstâncias que envolvem a obra. Quem tem um sonho a realizar deve ter pressa na execução. Ressalte-se, ainda, que, há muito está sentida a necessidade da empresa, apenas protelada à falta de oportunidade que, agora, surge nos traços psicológicos a estruturarem as personalidades responsáveis pela ciclópica tarefa.
Jamais conseguiríamos Brasília num prazo longo, digamos 10 ou 20 anos. Os planos de execução demorada fenecem languidamente como as planas sem adubo. Brasília a prestações! Impossível!
A Nova Capital!, que deve refletir o espírito do Brasil, tem de ser, desde o nascimento, como as linhas da arquitetura, que a embeleza: dinâmica, vigorosa, revolucionária. Flor dos trópicos, deve surgir com a impetuosidade dos rebentos alentados por uma natureza fecunda, de luz e calor. Divisa de dois mundos - o Brasil de ontem, litorâneo e prosaico e o Brasil de amanhã, robusto e construtivo - ela, que transformará, em velho, o moderno de hoje, não poderá fugir à característica de toda inspiração verdadeiramente renovadora. Nas artes, nas ciências, na filosofia, na política, na técnica, onde quer que seja, o progresso, é geralmente, produto de uma centelha, uma percepção momentânea, que surge rápida, mas fulgurante mente, como relâmpago. A urgência constitui-se numa das grandes virtudes de Brasilia. A Nova Capital e um momento precioso da nossa renovação politica, social e econômica.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

1976 - Discurso "A Realidade Brasileira do Menor"

CÂMARA DOS DEPUTADOS
CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO

A REALIDADE BRASILEIRA DO MENOR

DISCURSO PRONUNCIADO NA SESSÃO DE 8-4-76, PELO DEPUTADO MANOEL DE ALMEIDA.
COORDENAÇÃO DE PUBLICAÇÕES
BRASÍLIA – 1976


O SR. PRESIDENTE ( Pinheiro Machado) Nos termos do inciso II do art. 10 do Regimento Interno, concedo a palavra ao Sr. Manoel de Almeida, na qualidade de Líder da Aliança Renovadora Nacional.
O SR. MANOEL DE ALMEIDA (ARENA – MG. Como Líder pronuncia o seguinte discurso.) Sr. Presidente, Srs. Deputados, a Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga os problemas do menor carente do Brasil – a CPI do Menor, como passou a ser denominada desde 29 de abril de 1975 – concluiu as suas atividades terça-feira passada (6-4-76), ao ensejo de memorável reunião, durante a qual foi discutido e aprovado por unanimidade o relatório dos trabalhos, intitulado “A Realidade Brasileira do Menor”.
Acontecimento auspicioso e, possivelmente, inédito na tradição dos órgãos sindicantes do Poder Legislativo, a CPI do Menor preocupou-se, acima de tudo, com os exames das causas da marginalização social e seus nefastos efeitos sobre a infância, a juventude e as famílias, sitiadas estas na faixa salarial dos baixos níveis de renda, inferiores a 3 salários mínimos.
Funcionou, preponderantemente, como laboratório de pesquisa, buscando soluções realistas para o complexo espectro dos problemas abrangidos pela política de ampara às crianças e aos menos dramaticamente atingidos pelo processo marginalizante cujo agravamento adquire proporções de tragédia nacional.
Foi, de fato, uma CPI diferente, que se recusou a enveredar pelos fáceis caminhos da demolição, ou da exclusiva apuração das responsabilidades institucionais dos órgãos e entidades – quer governamentais, quer do setor privado – os quais, em sua totalidade, fracassaram integralmente no concernente à solução dos mencionados problemas, ou pelo respectivo subdimensionamento, ou ainda pela entropia característica das instituições malogradas ou ainda pela insuficiência e inadequação dos recursos materiais disponíveis, financeiros e humanos.
Desde o início, despojaram-se os Deputados, dignos representantes da ARENA e do MDB, de qualquer facciosismo político ou de veleidades do partidarismo unilateral. Uniram-se todos, dominados pela obsessão de bem servir ao Brasil, com a preocupação absorvente de colaborar com o Poder Executivo, a quem cabe a responsabilidade primordial de enfrentar esse terrível desafio e encontrar soluções adequadas, estas ultimas sempre postergadas.
Mas agora, conforme evidenciam os indicadores da CPI, tais problemas atingira o ponto crítico da extrema periculosidade diante do qual ninguém mais neste País tem o direito de se omitir.
Nenhum parlamentar se preocupou em apurar fracassos de natureza pessoal ou institucional. A CPI do Menor resistiu às sugestões formuladas nesse sentido, cônscia de que as dimensões da marginalização, notadamente nas regiões metropolitanas congestionadas, já estão traumatizando a consciência do povo brasileiro, como vergonha nacional que nos angustia, choca e humilha.
Este é, precisamente, o caso dos 13.542.508 de menores carentes no Brasil, além dos 1.909.570 de crianças e jovens caracterizados como “abandonados”, a prevalecerem os dados oriundos dos resultados preliminares de um inquérito que abrangeu 3.953 Municípios.
É fundamental à exata compreensão e ao dimensionamento da realidade observar que esses dados subestimam os verdadeiros totais, cabendo aqui esclarecer que tais números se referem à carência e ao abandono, visível, percebidos pelos prefeitos informantes.
Na verdade, outros indicadores sócio-econômicos, principalmente o que fixa em até dois salários mínimos o rendimento mensal de 2/3 da população assalariada, cerca de 18,5 milhões de trabalhadores, - a grave insuficiência que o relatório considera como “a matriz geradora” do processo marginalizante – autorizam avaliarmos em 25 milhões a quantidade de menores carentes, para uma população global de 48.226.718 de menores existentes na faixa etária de 0 a 18 anos de idade.
Convém esclarecem que, para a CPI do Menor, as expressões “carenciado”, “abandonado”, “desassistido”, “marginalizado” são usadas para identificar as crianças ou adolescentes vitimas de disfunção social, que por não disporem de renda suficiente, tem insatisfatória participação no consumo de bens materiais e culturais e não usufruem os serviços de saúde, habitação, alimentação, educação, profissionalização e recreação precariamente existentes.
Por se tratar de um processo de deteriorização da qualidade de vida, a marginalização apresenta variados estágios da evolução ou graus diversos de intensidade. Inicia-se com o menor quase sempre oriundo de famílias subnutridas, analfabetas ou irresponsáveis, situadas na faixa salarial de até 3 salários mínimos, e culmina com o menor delinqüente, agressivo ou infrator, considerando-se a criminalidade como grau máximo da marginalização social.
O SR. JG DE ARAUJO JORGE – Permite V. Exa. um parte?
O SR. MANOEL DE ALMEIDA – Com muito prazer.
O SR. JG DE ARAUJO JORGE – Quero congratular-me com a Comissão de Inquérito pelo trabalho que realizou, culminado coma apresentação ao Governo duma solução objetiva para o dramático problema do menor abandonado nesse País. V. Exa. é estudioso do assunto e profundamente interessado na sua solução. Tivemos oportunidade, na Legislatura passada, de pertencer à Comissão Especial que tratou do problema do menor, e agora V. Exa como Relator da CPI do Menor Abandonado, apresenta um magnífico relatório, que se constitui talvez no mais serio estudo que já se fez neste País a respeito desse problema, e , o mais importante, apresenta uma solução a ser encaminhada ao Governo, que, esperamos, terá sensibilidade bastante para encampá-la e pô-la em execução. Acentuei nesta CPI a que tive a honra de pertencer que a solução para essa matéria do menor abandonado seria um órgão a nível ministerial, que dispusesse de recursos orçamentários próprios para fazer frente a problema de tal amplitude. E esta foi a solução a que chegou a CPI. Como V. Exa. bem acentuou, País com 48 milhões de menores abaixo de 18 anos, temos certa de 25 milhões de menores abandonados. E, se colocarmos atrás de cada menor abandonado uma família carenciada de duas pessoas, teria no Brasil pelo menos 50 milhões de brasileiros marginalizados. Esta é a realidade de um País que fala em desenvolvimento e que se dá ao luxo, às vezes de apresentar uma euforia que não corresponde à realidade dramática em que nos encontramos. A análise do problema do menor abandonado foi feita em profundidade pela CPI, e V. Exa. apresentou um relatório minucioso – depois de levantamento realizado através de um cuidadoso questionário enviado aos municípios brasileiros – com dados inteiramente novos a respeito do problema. As conclusões a que chegou a CPI, sob a presidência do nosso eminente colega Deputado Carlos Santos, comprovam mais uma vez que não havia razões para se temer a organização de CPIs nesta Casa. Muitas delas, como a CPI do Menor Abandonado, chegaram a um resultado objetivo, oferecendo ao Governo soluções para problemas que esperamos sejam equacionados. Portanto, congratulo-me com a CPI pelo trabalho realizado e, em especial, com V. Exa., como Relator de tão importante matéria.
O SR. MANOEL DE ALMEIDA – Nobre Deputado JG de Araújo Jorge, é com alegria que recebemos seu aparte. Honra-nos inseri-los em nosso pronunciamento, pois ele é a continuidade do trabalho desenvolvido por V. Exa. na Comissão Especial e na CPI do Menor Abandonado. Realmente, a tecla em que a V. Exa. sempre bateu foi a de que, para se executar a política do Governo num problema tão sério, que envolve – pode-se dizer – a quarta parte da população brasileira e mais da metade da infanto-juvenil, é preciso não apenas uma pessoa a implementar idéias e filosofias, mas um órgão a nível ministerial para implementar recursos em sistema, de maneira vivificar muitas áreas mortas da própria administração pública, para onde já há canalização de recursos, os quais, às vezes, parecem inexistir. Os Ministérios, os órgãos públicos, as autarquias e as entidades de economia mista, como veremos no decorrer deste discurso, serão vivificados e assim poderão realizar essas tarefas, talvez, em muitos casos, sem aumento de despesa.
O SR. CELSO BARROS – Permite V. Exa. um aparte?
O SR. MANOEL DE ALMEIDA – Pois não.
O SR. CELSO BARROS – Nobre Deputado, já por duas vezes abordei ligeiramente, da tribuna, o problema do menor abanonado, a última das quais na tarde de hoje. Nessa oportunidade, fiz referência a um importante trabalho publicado ontem no JORNAL DO BRASIL, sob a assinatura de Dunshee de Abranches, que volta suas atenções para aquele problema. Em face das conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito para aquele problema . Em face das conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito, disse o articulista que os 15 milhões de menores abandonados – segundo a estatística apresentada pela CPI – constituem um grave problema para o Governo. Mas, nessa questão entendo que o menor abanonado deve ser examinado não como efeito, mas como causa...
O SR. MANOEL DE ALMEIDA – Estou de pleno acordo com V. Exa.
O SR. CELSO BARROS – Eu diria que a causa do problema do menor abandonado é a debilidade da situação econômica da família brasileira. Devemos, primeiramente, examinar as raízes desse mal, para que possamos cortá-lo. De outra forma, estaremos apenas racionalizando o problema, que exige um exame imediato para a adoção de soluções que também não dêem tardar. Daí porque, em face do dilema apresentado ao Governo, esperamos que haja soluções válidas, pois a CPI fez um diagnóstico imperfeito, é verdade, mas conduzido de forma a apresentar um quadro angustiante da nossa realidade social. E, feito o diagnóstico, cabe ao Governo e também a toda a comunidade brasileira, colaborando com ele, apresentar o remédio que todos nós esperamos.
O SR. MANOEL DE ALMEIDA – Vê V. Exa., ilustre companheiro que o trabalho da Comissão já começou a dar resultados através da mobilização da consciência nacional, que se inicia com aquele e vário outros artigos e notas que, neste momento divulga a imprensa brasileira.
Prossigo, Sr. Presidente: Em São Paulo, por exemplo, que é o nosso Estado-líder, o mais próspero da Federação – para um total de aproximadamente 20 milhões de habitantes, existe uma massa humana marginalizada superior a 6 milhões de pessoas, dentre as quais se inclui a estarrecedora cifra de 620.000 menores abandonados – os famosos “trombadinhas”, que perambulam pelas ruas de grande metrópole saturada. (Dados comprovados pelo Dr. Júlio de Mesquita Neto, Diretor de “O Estado de S. Paulo; o Dr. João Jorge Saad, Presidente da Rádio e TV Bandeirante; Professor Samuel Pfromn Netto, da Universidade de São Paulo e Dra. Leopoldina Saraiva, Secretária do Bem-Estar Social da Prefeitura de São Paulo).
O SR. RUY CÔDO – Permita-me, nobre Deputado Manoel de Almeida, eu disse, aparteando o Deputado Carlos Santos, ilustre Presidente da referida Comissão, que o parecer de V. Exa. é realmente um monumento em que a Nação toda se deve estribar., para solucionar o problema do menor abandonado. Ai está realmente o remédio. V. Exa. capta bem o pensamento, os debates e os depoimentos de todos os que compareceram àquele órgão técnico. V. Exa. cita o “Estado de S. Paulo” e vários depoimentos, inclusive o da nobre Secretária do Bem-Estar Social da Prefeitura de São Paulo, Dra. Leopoldina Saraiva, presente à Comissão. Diz ela que São Paulo ancora as esperanças de uma Suíça, mas vive a triste realidade de uma Biafra. Ela cita o número enorme de crianças abandonadas e carentes que há naquela cidade. É estarrecedor e triste ver-se tantas crianças perambulando pelas ruas, os “trombadinhas”, que se estão transformando em marginais. Não foi somente o depoimento dela que V. Exa. citou. Também o do Professor Samuel Pfromn Netto, que é muito mais sério, a respeito do menor abandonado, e tantos outros. V. Exa. com capacidade e inteligência, tudo captou nesse maravilhoso relatório que está apresentado à Casa e que encerra um trabalho que, tenho certeza, será o livro de cabeceira de todos nós para que realmente o Brasil solucione o problema no menor. Quero mais uma vez, cumprimentar V. Exa. Já o fiz muitas vezes em reuniões da Comissão, porque vi o trabalho de V. Exa. e sua dedicação para que pudesse a Comissão ter um parecer maravilhoso. E V. Exa. realmente o conseguiu.
O SR. MANOEL DE ALMEIDA – Nobre Deputado Ruy Côdo, de certo modo V. Exa. é suspeito para opinar, porque e um dos autores desse trabalho. O que houve foi quase que uma comunhão de ordem espiritual na realização desse trabalho. Nós nos situamos em outro plano para ver o Brasil o que ele tem de mais delicado, de mais sublime, e de mais elevado. A contribuição de V. Exa. foi permanente, como foi, e todos os momentos, a colaboração daquele velho que está lá, o “vovô” da criança, o nobre Deputado Carlos Santos, que se houve conforme veremos no final, em referências feitas com justiça à sua pessoa. Todos colaboraram dessa forma. Também o Deputado Cleverson Teixeira, que espera por um aparte. Tivemos um verdadeiro painel de trabalhos e de contribuições que compõem realmente um livro de meditação. Esse livro sobre a realidade brasileira do menor dever ser até, durante alguns dias, o livro de cabeceira do Sr. Presidente da República.
O SR. RUY CÔDO – Naturalmente, deve conter o depoimento de todos aqueles que compareceram à Comissão.
O SR. MANOEL DE ALMEIDA – Perfeitamente. Foi uma composição. Dizíamos sempre que, quando apanhávamos um vem dotado, um homem de cultura e com experiência, nós nos tornávamos, às vezes, até impetuosos, dando a impressão de que queríamos inquirir. Mas não: nós queríamos saber, conhecer, dentro dos melhores princípios da sociologia normativa, para poder agir. E é isso que estamos fazendo hoje, trazendo nosso trabalho primeiramente ao conhecimento desta Casa. Depois o levaremos ao Sr. Presidente da República.
Concedo aparte ao Deputado Cleverson Teixeira.
O SR. CLEVERSON TEIXEIRA – Nobre Deputado Manoel de Almeida, primeiramente quero deixar meu testemunho sobre o trabalho desenvolvido por toda a Comissão da qual tive a honra de participar. E nos sentimos compensados pelo exercício deste mandato parlamentar. E nos sentimos realmente compensados pelo exercício deste mandato parlamentar. Realmente, apesar de nossa modesta contribuição, é gratificante o fato de termos participado cotidianamente dos trabalhos e privado com V. Exa. de momentos de bastante reflexão.
O SR. MANOEL DE ALMEIDA – Muito obrigado a V. Exa.
O SR. CLEVERSON TEIXEIRA – O problema do menor é um problema nacional é o problema do futuro desta Nação. Já dizia grande escritor brasileiro: “Ai da Nação que não cuida do futuro de seus homens, e dos homens do futuro desta Nação”. Realmente a criança de hoje é o futuro desta Nação, o brasileiro de amanhã, que deverá levar o Brasil àquela posição tão almejada por todos nós. Mas o fato maior e oportuno que desejo salientar é o do trabalho irmanado da comunhão de pensamento dos Parlamentares de ambos os partidos. A conclusão desse trabalho vem demonstrar que é possível a ARENA e o MDB trabalharem irmanados para o futuro deste País.
O SR. JG DE ARAÚJO JORGE – Permite V. Exa. complementar rapidamente aquele aparte anterior?
O SR. MANOEL DE ALMEIDA – Com muito prazer.
O SR. JG DE ARAÚJO JORGE – Complementando o aparte, queria dizer que o grande mérito da CPI do Menor Abandonado foi justamente ter chegado a uma conclusão, apresentando – como V. Exa. terá oportunidade de anunciar – o Projeto Dom Bosco – com todo um organograma para o seu funcionamento, indicando ao Governo os recursos e o modo de como esse problema do menor abandonado não foi feito separadamente, mas houve um equacionamento global, de caráter nacional, com conclusões. Por isso mesmo, o Governo dispõe agora do instrumento, dos recursos e das soluções apresentadas pela CPI. De modo que este é o grande trabalho objetivo que a CPI do Menor Abandonado conseguiu realizar. Poder-se dizer, neste momento, que o problema do menor está equacionado. Dependerá exclusivamente da iniciativa do Governo por o projeto em prática, para que nos sintamos desafogados diante das perspectivas do futuro deste país.
O SR. MANOEL DE ALMEIDA – Nobre Deputado, em outras palavras não necessitaremos de outras CPIs de Menores Abandonados. Estamos certos de que a sensibilidade do Governo, aqui lembrada por V. Exa., no primeiro aparte será efetiva. O Sr. Presidente da República certa feita, nos incentivou a iniciar e levar à frente estudos dessa natureza. Estamos convictos de que com os resultados deste trabalho – que a acuidade mental e cultural de V. Exa. enfoca como os primeiros elementos informativos e, talvez, os primeiros estudos sérios feitos no País a respeito da dolorosa questão – S. Exa. fará muita coisa.
Prosseguindo, Sr. Presidente, de qualquer forma, as estatísticas examinadas pela CPI do Menor impõem uma conclusão inapelável: qualquer que seja a categoria em que se inclua o menor atingido pelo processo marginalizante, o Governo terá de tomar, agora e já – esta é a palavra de ordem do Presidente, é a nossa palavra de ordem do Presidente, é a nossa palavra e a de todos os companheiros desta Casa – urgentes medidas preventivas, a fim de que a vida não se torne insuportável em todas as grandes cidades brasileiras, em virtude da crescente onda de assaltos, furtos, seqüestros, delitos sexuais e tantos outros atentados que evidenciam um alarmante recrudescimento das taxas de criminalidade.
Parece que o nobre articulista do JORNAL DO BRASIL, Dunshee Abranches, adivinhava o nosso pensamento, porque já estava inserto nesse discurso, quando publicou o trabalho aqui referido por um nobre Deputado.
Continuo, Sr. Presidente,
Essas providências não podem ser aquelas pobres, inadequadas e insuficientes tentativas que se fazem aqui, li e acolá, absolutamente desproporcionadas à magnitude da tremenda problemática do menor. Os números revelados por “A Realidade Brasileira do Menor” são apavorantes, abrangendo desde a omissão, desaparelhamento e farisaísmo da maioria dos Juizados de Menores, até a dolorosa incapacidade, a exasperante impotência dos órgãos existentes, tendo à frente a FUNABEM, menos por culpa de seus dirigentes, do que pela insensibilidade burocratizante dos escalões superiores a completa alienação dos responsáveis diante de uma conjuntura de intoleráveis tensões psicossociais.
Aliás, a respeito da FUNABEM, vale a pena transcrever as seguintes breves linhas, com as quais o eminente Presidente Ernesto Geisel caracterizou, com absoluta precisão e clareza, a situação atual e as insignificantes possibilidades da FUNABEM, cujas limitações de toda ordem impedem-na de resolver os problemas do menor:
“A FUNABEM aplicou, em 1975, cerca de Cr$ 70 milhões na efetivação de 11 convênios (enquanto que, entre 1966 e 1974, em 114 convênios, foram investidos Cr$ 63 milhões). A problemática do menor desassistido envolve parcela considerável da população brasileira, já que 52% desta são constituídos de indivíduos até 19 anos de idade. A fim de carrear recursos comunitários para projetos de desaceleração do processo de marginalização de menores, a FUNABEM montou um programa que, após mais de 30 experiências-piloto em vários municípios brasileiros permitirá, a partir de 1976, com base em um protocolo de cooperação assinado com o Banco Nacional da Habitação, implantar um Centro Integrado de Atendimento à Família, em cada conjunto habitacional construído com financiamento dos agentes do sistema de habitação. A par de sua atuação nacional, a FUNABEM manteve, com lotação máxima (5.500 menores), seus estabelecimentos e escolas especializadas, bem como extenso programa de pagamento per capita a quase 300 instituições particulares para menores em todas as unidades da Federação (Presidente Ernesto Geisel, mensagem Presidencial Anual, Diário do Congresso Nacional, 4—76, pag. 42. Suplemento Especial dedicado à Mensagem Presidencial, 1ª. Sessão Conjunta. 1º de março de 1976.)”
Nada mais é preciso acrescentar à sinceridade do Presidente da República quando, embora reconhecendo que o Governo está atento à situação na área setorial do menor, reconhece que a FUNABEM – pelos motivos que o Relatório da CPI do Menor Abandonado expõe com o maior realismo – não tem condições, nem meios, nem perspectivas para erradicar, ou controlar, os fatores da marginalização de 25 milhões de menores carenciados. O que logrou realizar é, como afirmou um ilustre depoente, perante a CPI, “uma gota d´água num oceano de carência.”
O que de imediato se impõe é o atendimento eficaz e desburocratizado das necessidades dessa impressionante massa humana de 25 milhões de menores e das respectivas famílias, como prioridade máxima dos governos e das empresas – de toda a comunidade, em suma.
“Um país com 1/3 da sua população infanto-juvenil marginalizada enfrentará, no futuro, os maiores problemas sociais do mundo, inclusive no tocante à criminalidade.”
Sem sombra de dúvidas, fora das conclusões e recomendações de “A Realidade Brasileira do Menor”, as quais se resumem na implantação, a curto prazo, do Sistema do Menor e na imediata execução do Projeto Dom Bosco, não se encontram quaisquer outras alternativas viáveis. Com o status quo permaneceremos, para sempre, na estagnação e no imobilismo da atual conjuntura.
Devemos evoluir do empirismo dos paliativos das providências superficiais, que tem minimizado e tangenciado tantas tentativas esporádicas de amparo à infância e à juventude – desde o advento do Código de Menores de 1927, do famigerado SAM e da FUNABEM, em 1964, até agora – ara o estágio superior da abordagem sistêmica proposta pela CPI do Menor.
Ou então chegaremos ao ano 2000 na condição de uma potência emergente frustrada, ingovernável, socialmente atrasada e internacionalmente desmoralizada, como gigante sul-americano com pés de barro...
Em seus delineamentos gerais, “A realidade brasileira do Menor” compreende um diagnóstico da situação e, como conclusão maior, o Sistema do Menor, no qual se enquadra o Projeto Dom Bosco, como ponta de lança.
Destacam-se no momento conclusivo da CPI os seguintes capítulos:
1. Introdução
2. A Marginalização do Menor
3. Quantificação do Problema
3.1 Migrações Internas
3.2 Urbanização
3.3 Crescimento Demográfico
3.4 População Economicamente Ativa
4. Causas da Marginalização do Menor
4.1. Desagregação Familiar
4.2 Pobreza
4.3 Poder Aquisitivo nas Regiões Administrativas
5. Educação
6. Profissionalização
7. Ação Governamental
8. Atualização do Código de Menores
9. Consideranda dirigidos ao Presidente da República encaminhando a “Recomendação-Síntese” (instituição do Sistema do Menor, que condensa, embora sucintamente o elenco das providências inadiáveis exigidas pela situação nacional).
10. Projeto Dom Bosco
“A Realidade Brasileira do Menor” demonstra que nas áreas deterioradas das zonas urbanas congestionadas, o processo marginalizante bem se agravando, num ritmo potencialmente explosivo, “revelando os indicadores sociais que a problemática das famílias das crianças e dos menores carenciados está rapidamente evoluindo para uma situação de calamidade pública.”
A análise da CPI do Menor investiga, com fundamentos em pesquisas estatísticas, os efeitos acumulados e convergentes das altas taxas de incremento demográfico; as migrações desordenadas; os desequilíbrios inter-regionais, a precariedade financeira e a notória incapacidade operativa dos governos locais; os impactos negativos de má distribuição de renda, a poluição ambiental, os baixos níveis de qualidade de vida; a paternidade irresponsável; a desagregação familiar: as péssimas condições de habitação, alimentação e escolaridade; as doenças, o analfabetismo; a evasão escolar; o subemprego; o desemprego; o pauperismo; o recrudescimento da delinqüência e da criminalidade; a superlotação das penitenciárias; em síntese, um conjunto de fatores que devem ser corretamente diagnosticados para o exato conhecimento e plena compreensão das forças geradoras da marginalização social.
O SR. EDUARDO GALIL – Nobre Deputado Manoel de Almeida, em nome da Liderança do Governo, congratulo-me com V. Exa. com os demais membros da Comissão e com essa expressão que merece nosso respeito, o Deputado Carlos Santos, Presidente da CPI do Menor, pelo trabalho que realizaram. Nele são apontadas as causas do problema e oferecidas soluções. O relatório de autoria de V. Exa., unanimemente aprovado, demonstra o esforço de ambos os Partidos, no sentido de que o Governo encontre nesta Casa um suporte e as sugestões necessária para enfrentar esse mal maior que, sendo efeito, pode tornar-se também um dia, a causa. Refiro-me ao menor abandonado. O Deputado Carlos Santos realçou o grande esforço do Governo, principalmente do Presidente Geisel, que fala uma linguagem realista, sincera e honesta, para superar as dificuldades na solução definitiva do problema do menor abandonado. Esse objetivo só será alcançado pelo fortalecimento da família brasileira, no qual o Governo se empenha, orientando melhor a distribuição de rendas. Meus parabéns a V. Exa. pelo ótimo trabalho e meus agradecimentos por haver-me gentilmente concedido o aparte.
O SR. MANOEL DE ALMEIDA – Nobre Líder Eduardo Galil agradeço-lhe a intervenção e ao Líder do Governo a orientação que transmitiu V. Exa.há pouco, para este brilhante aparte. Veja que recebemos neste momento um grande alento. Todos nós, que tomamos parte na Comissão, desde o eminente Presidente, Deputado Carlos Santos, a este modesto Relator e todos seus demais membros, que durante quase dez meses trabalharam em todo os momentos, até no período de recesso, para realizar o trabalho que ora apresentamos, todos nós, repito, sentimo-nos confortados, apoiados, porque é o Governo que nos encaminhamos, porque as medidas propostas são de natureza a exigir não apenas definição política de V. Exa. o Sr. Presidente da República, mas os recursos que somente de lá poderão advir, para a redenção de 25.000.000 de criaturas comprometidas em terrível marginalização. Vinte e cinco milhões de habitantes, ilustre Líder, é a população da Argentina. Temos o equivalente à população da Argentina em estado de marginalidade.
Ouço o nobre Deputado Nelson Thibau.
O SR. NELSON THIBAU – Nobre Relator, Deputado Manoel de Almeida , como representante de Minas Gerais, nós, que pertencemos ao Movimento Democrático Brasileiro, estaremos observando o interesse que o Governo dispensará a esse brilhante trabalho, que aponta solução para o problema gritante do menor abandonado, que não é só do Brasil, mas de todos os países. Fazemos oposição no sentido de construir, e não de destruir. As atitudes não só do Congresso Nacional, mas também dos Poderes Executivo e Judiciário, em favor de melhor atendimento à pessoa humana, o MDB dá integral apoio. Parabéns ao nobre Relator, Deputado Manoel de Almeida. Estaremos atentos ao desenrolar do trabalho junto ao Executivo, no sentido de amparar o menor abandonado, para que num futuro próximo o Brasil conte com uma juventude em condições de participar da comunidade brasileira. Muito obrigado.
O SR. MANOEL DE ALMEIDA – Agradeço a V. Exa. o substancioso aparte.
Continuo, Sr. Presidente.
Depois de demonstrar que os efeitos multiplicadores da marginalização das famílias pobres, das crianças e menores, não somente obstaculizam quaisquer esforços na órbita do desenvolvimento social, como geral intoleráveis tensões psicossociais, somente então é que a CPI do Menor submete à deliberação do Presidente da República a Recomendação-Síntese que engloba o complexo das providências imprescindíveis ao advento do Sistema do Menor, na órbita do Conselho do Desenvolvimento Social.
Na estrutura do Sistema do Menor integram-se órgãos, instituições e atividades do setor público e do setor privado, cujo funcionamento sinérgico capacitaria os governos e as empresas a resolverem, com o apoio global da comunidade, os problemas da marginalização.
“Neste sentido”, afirma o Relatório, “o Sistema mobilizará recursos humanos, técnicos e financeiros em condições de viabilizar, a curto prazo, soluções proporcionais aos desafios a serem enfrentados, nas seguintes áreas prioritárias:
a) Estratégia especifica da natureza preventiva, visando ao amparo às famílias marginalizadas;
b) Atendimento descentralizado e desburocratizado das necessidades básicas da cirança e do menor carentes, no concernente à alimentação, habitação, saúde, educação, profissionalização, emprego, integração na comunidade, segurança afetiva e social.
c) Assistência especializada ao menor abandonado de conduta anti-social, através de adequados métodos pedagógicos e medidas terapêuticas eficientes; e
d) Acompanhamento e avaliação permanente dos programas e projetos vinculados à erradicação e controle dos fatores da marginalização social”.
“Para esse fim” – continua o documento da CPI do Menor – o “Ministro Secretário de Planejamento da Presidência da República organizará na Secretaria de Modernização e Reforma Administrativa (SEMOR), o Grupo Interministerial incumbido de , no prazo de 120 (cento e vinte) dias; elaborar os seguintes projetos de decreto do Poder Executivo a serem submetidos à aprovação do Presidente da República, dispondo sobre:
10.2 – Instituição, conceituação, definição, estrutura e operação, na órbita do Conselho de Desenvolvimento Social do Sistema do Menor.
10.3 - Organização, em nível de Ministério Extraordinário da Coordenação Nacional do Menor.
10.4 – Criação do Fundo Nacional de Proteção do Menor como subconta Especial do FAZ – Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social, sob administração e gestão da Caixa Econômica Federal.
10.5 – Constituição do Centro Nacional do Menor, integrado pelo Grupo Executivo dos Projetos Básicos da Política de Recuperação, Bem-Estar e Desenvolvimento do Menor.
10.6 – Reformulação da Lei no. 4.513/64 e reorganização da FUNABEM com a finalidade de adaptá-la ao Sistema do Menor e dinamizar as suas atividades.
10.7 – Estabelecimento, das zonas densas de marginalização social, de Postos de Planejamento Familiar articulando-se medidas preponderantemente educativas de índole preventiva, com outras de natureza terapêutica.
10.8 – Aproveitamento do salário-família como instrumento de canalização de recursos adicionais para o Fundo Nacional de Proteção ao Menor, vinculando-se o produto arrecadado à educação e profissionalização do menor.
10.9 – Modernização dos Juizados de Menores, a fim de ajustá-los ao Sistema do Menor e dinamizá-los.
10.10 – Elaboração de Mensagem ao Congresso Nacional consubstanciando emendas aos artigos 15 e 17 da Constituição Federal, visando ao fortalecimento financeiro dos Municípios, a fim de que possam destinar recursos suficientes – oriundos de vinculação de maiores parcelas da Receita Tributária Municipal e do aumento das transferências que lhes couberem do Fundo de Participação – para destinação específica, em benefício das crianças situadas na faixa etária de 0 até 7 anos de idade. Com os novos recursos deverá ser construída e instalada, no território nacional, uma Rede Nacional de Ensino Pré-Escolar, Creches, Jardins de Infância e todo um complexo avançado de serviços de ação integrada na área pré-escolar.
10.11 – As demais providências complementares indispensáveis à regulamentação e imediata operação do Sistema do Menor.”
No que se referee ao Projeto Dom Bosco, como vanguarda e instrumento executivo emergente do Sistema do Menor, a CPI antecipou, igualmente, as linhas gerais de um projeto submetido ao Chefe da Nação, no qual se esclareceu:
“1. Denomina-se projeto Dom Bosco o conjunto de ações globais e multi-setoriais visando, através da mobilização nacional de recursos financeiros, materiais e humanos, a erradicar e controlar os efeitos da marginalização do menor carente ou abandonado, e das respectivas famílias.
2. A ofensiva do projeto Dom Bosco em benefício da infância e da juventude desassistidas e das famílias de baixa renda socialmente margilizadas far-se-á por intermédio de um mecanismo federal de coordenação técnico-administrativo dos serviços, empreendimentos e atividades destinados ao eficiente desempenho do projeto.
3. A fim de que possa atingir, a curto prazo, os seus objetivos gerais e metas prioritárias, o Projeto Dom Bosco desenvolverá as suas atividades, através do mecanismo executivo, cuja estrutura organizacional simplificada é a seguinte:
4.1. – Comando Nacional – constituído pelo Grupo Executivo designado pelo Presidente da República, como órgão responsável pelo planejamento, coordenação, supervisão e controle do Projeto, no território nacional, composto de 7 (sete) membros.
4.2. – Núcleos de Coordenação Regional e Municipal – em cada Estado, Território e Município, responsáveis pela execução descentralizada, a nível regional e local, das diretrizes emanadas do Comando Nacional do Projeto Dom Bosco, sob a chefia de coordenadores e gerentes designados pelos Governadores e Prefeitos Municipais.
4.3. – Unidades Setoriais de Articulação – Instituídas nos órgãos ou entidades integrantes da Administração Federal Direta ou Indireta (abrangendo, por conseguinte, as autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e as Fundações) e cujos chefes, designados pelo Ministro a que estiveram subordinados, ou vinculados, serão os Agentes Setoriais do Projeto Dom Bosco.
4.4 – Voluntariado Nacional – Que promoverá e organizará a participação comunitária consubstanciada na indispensável colaboração das Universidades dos Sindicatos, do Empresariado Nacional, dos grupos, lideranças e instituições do Setor Privado, cujos representantes devidamente credenciados. Constituirão o Voluntário Nacional do Projeto Dom Bosco.
Complexo de providências eminentemente práticas, enquadra-se o Projeto Dom Bosco na órbita do Sistema do Menor como uma das suas prioridades fundamentais, visando, conjuntamente com os demais setores, órgãos, instituições, serviços, empreendimentos e atividades que o compõem, a realizar a política de amparo à infância, à juventude e às famílias de baixos níveis de renda no contexto de uma abordagem sistêmica dos problemas da marginalização social.
O Comando Nacional promoverá a imediata execução das medidas relativas às seguintes metas prioritárias do Projeto Dom Bosco, como pré-condição ou fator condicionante de sua operacionalidade e da eficácia dos resultados colimados;
1 – Mobilização Comunitária –conceituada como ofensiva de grande envergadura, visando à utilização coordenada, aproveitamento racional dos recursos e do potencial de colaboração imanente aos órgãos e entidades do Setor Público e do Setor Privado, em benefício do Menor carenciado e de sua família. Neste sentido, aquele Comando desencadeará um movimento de solidariedade nacional, acionando dispositivos e mecanismos em condições de levar a efeito a Mobilização Comunitária.
2 – Cadastramento Global – por intermédio da Fundação IBGE, do INPS, do PRODASEN e dos Serviços de Processamento de Dados disseminados em todo o País, o Projeto Dom Bosco realizará o levantamento que se faz necessário, como preliminar indispensável ao conhecimento exato e preciso diagnóstico da realidade brasileira no concernente às famílias de baixos níveis de renda, geradoras dos imensos contingentes de menores carentes ou abandonados.
(A execução tecnicamente conduzida dessa operação de Cadastramento Global, além de eliminar os perigos dos indicadores divergentes, possibilitará ao Governo evoluir das medidas epidérmicas que tangenciam a solução dos problemas da marginalização, para a plataforma superior da organização racional de uma ofensiva permanente contra a pobreza dessas massas humanas marginalizadas - objetivo-síntese do Projeto Dom Bosco.)
3 – Operação Sobrevivência – meta do Projeto Dom Bosco consubstanciada no recolhimento dos menores abandonados que perambulam pelas ruas das nossas principais cidades – principalmente nas regiões densas de marginalização social. Ao recolhimento serguir-se-á o encaminhamento, destinação e assistência global dos menores recolhidos nos decorrer da Operação Sobrevivência. Essa fase de Operação – possivelmente o desafio mais complexo a ser enfrentado pelo Projeto Dom Bosco – pressupõe o prévio êxito da Mobilização Comunitária e envolve a atuação das Unidades Setoriais de Articulação do Sistema do Menor, simultaneamente com a utilização dos serviços de apoio de grande variedade de empresas,, bem como do emprego de equipes especializadas.
4 – A segunda etapa da Operação Sobrevivência consistirá na execução de um complexo de providências colimando o deslocamento e radicação das famílias de baixa renda, que expressamente o desejarem, mediante opção, inequívoca e voluntariamente manifestada – na pré-Amazônia maranhense ou em outras áreas selecionadas, na Amazônia, na forma estabelecida pelas Instruções Normativas nas quais se catalogariam as condições e vantagens a serem proporcionadas às referidas famílias, no quadro de um deslocamento subsidiado de populações marginalizadas, visando, supletivamente, a descongestionar os aglomerados urbanos saturados, a criação de novas comunidades e assentamentos de famílias nos espaços vazios.
5 – Cruzada Feminina Pró-Menor – o engajamento da mulher brasileira na prestação de serviços, execução dos empreendimentos e atividades do Projeto Dom Bosco, em regime de voluntariado em todo território nacional, é uma exigência decorrente das dimensões da ofensiva contra a marginalização do menor e de sua família, principalmente no concernente ao emprego de equipes de formação multidisciplinar e nas áreas específicas da educação e do serviço social.
Sr. Presidente, Srs. Deputados dispenso-me de citar, neste conciso pronunciamento que me cumpre formular à guisa de prestação de contas, como Relator da CPI do Menor – cuja missão, mercê de Deus, teve um feliz desfecho com a unânime aprovação do seu Relatório – conceitos, estatísticas, análises e projeções sobre a fenomenologia da marginalização social em nosso País.
Aí está “A Realidade Brasileira do Menor”, cuja publicação requeiro, nesta oportunidade, através do Diário do Congresso Nacional, conjuntamente com os depoimentos tomados no decorrer do ininterrupto funcionamento da Comissão, desde abril de 1975.
V. Exa. e toda a Nação brasileira poderão apreciar as dimensões, o alcance e a extraordinária destinação de utilidades dos estudos e projetos que integram “A Realidade Brasileira do Menor” – decisiva contribuição do Poder Legislativo em benefício da infância, da juventude e das famílias mais pobre de nossa Pátria.
Trata-se de uma apreciável colaboração que a Câmara dos Deputados encaminha ao eminente Chefe do Poder Executivo da União, colaboração de alguns brasileiros ilustres cujos nomes cumpre enunciar, para que fiquem registrados nos Anais desta Casa do Poder Legislativo:
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DESTINADA A INVESTIGAR O PROBLEMA DA CRIANÇA E DO MENOR CARENTE DO BRASIL
MEMBROS
Presidente – Deputado Carlos Santos
Vice – Presidente – Deputado Ruy Côdo
Relator – Deputado Manoel de Almeida
Relator – Substituto – Deputada Lygia Lessa Bastos
Titulares - ARENA
Deputado Alcides Franciscato
Deputado Cleverson Teixeira
Deputado Inocêncio de Oliveira
Deputado Nelson Marchezan
Titulares – MDB
Deputado JG de Araújo Jorge
Deputado Antônio Moraes
Suplentes - ARENA
Deputado Bento Gonçalves
Deputado Braga Ramos
Deputado Daso Coimbra
Deputado Nereu Guidi
Suplentes - MDB
Deputado Genervino Fonseca
Deputado Juarez Batista
Deputado Nabor Junior
Deputado Vinicius Cansanção
DEPOENTE
Professor Afro do Amaral Fontoura – Sociólogo – RJ
Dr. José Franscisco Sachotene Felice – Presidente da Fundação do Bem-Estar do Menor – RS
Dr. Mário Altenfelder – Secretário da Promoção Social de São Paulo- SP
Major Marival Pereira Tapioca – Secretário de Serviços Sociais – DF
Dr. Fawler de Melo – Presidente da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor- RJ
Frei Antônio Kerginlando Memória – Presidente da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor – RJ
Dr. Luiz Gonzaga Teixeira – Presidente da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor- MG
Dr. Newton Sérgio Ribeiro Grein – Diretor-Geral do Instituto de Assistência ao Menor – PR
Dr. Altair Costa e Sousa – MM. Juiz de Menores – PR
Professor Samuel Pfromm Neto – Diretor da Faculdade de Psicologia da Universidade de São Paulo
Professor Osvaldo Sangiorgio – Matemático – SP
Dr. Mauricio Sirotsky Sobrinho – Presidente da Rede Sul de Comunicações – RS
Dra. Ioni Pacheco Sirotsky – Presidente do Movimento Gaúcho do Menor – RS
Dr. João Guilherme de Pontes – Presidente da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor – RJ
Dr. João Jorge Saad – Diretor-Presidente da Rádio e TV – Bandeirante de São Paulo – SP
Dr. Divaldo Pereira Franco – Presidente da Entidade Filantrópica Mansão do Caminho – BA
Dr. Fábio de Araújo Mota – Diretor do SESI e do SENAI – MG
Dr. José Manoel Coelho – MM. Juiz de Menores – DF
Dr. Nelson Lopes Ribeiro Lima - MM. Juiz de Menores – PE
Dr. Mário Salvador – Membro do Conselho Municipal do Bem-Estar do Menor de Uberaba – MG
Dr. José Barreto de Carvalho – MM. Juiz de Menores – CE
Senador João de Medeiros Calmon – DF
Dra. May D´Aché Assumpção Harmon – Vice-Presidente da Cruz Vermelha Brasileira – RJ
Professora Ana Bernardes da Silveira Rocha – Diretora do Departamento de Ensino Fundamental do Ministério da Educação e Cultura – DF
Dr. Karlos Rischbieter – Presidente da Caixa Econômica Federal - DF
Dra. Leopoldina Saraiva – Secretário da Promoção Social da Prefeitura de São Paulo – SP
Dr. Reinhold Stephanes – Presidente do Instituto Nacional de Previdência Social – DF
Dr. Alysson Paulinelli – Ministro da Agricultura – DF
Dr. Élcio Costa Couto – Secretário-Geral da Secretaria-Geral de Planejamento da Presidência da República
COMISSÃO DE ASSESSORAMENTO
Dr. José Maria dos Santos Araújo Cavalcanti – Técnico de Administração, Advogado e Economista – DF
Dra. Iná Roland de Araújo – Advogada e Educadora – DF
Dr. Raimundo de Menezes Vieira – Técnico de Administração e Contador – DF
Dr. Waldemar Villas Boas Filho – Matemático – DF
Lamento não dispor de tempo bastante para resumir, a par da biografia, a participação específica de cada um, seja-me permitindo manifestar a todos os agradecimentos deste humilde Relator, Deputado por Minas Gerais.
Faço questão, todavia, de realçar a personalidade do nosso Presidente, o tranqüilo emotivo e capaz representante do Rio Grande do Sul – ex- Presidente da Assembléia Legislativa do Estado e por duas vezes Governador Substituto, o Deputado Carlos Santos – um Presidente de Comissão cujo desempenho impressionou pela isenção, pela modéstia, pela competência, na verdade. Sr. Presidente e Srs. Deputados, um estadista e um homem de bem de que o Congresso brasileiro muito justamente pode ser orgulhar.
A sua paciência e à sua suave liderança, como igualmente ao patriotismo e inexcedível senso de responsabilidade dos Deputados da ARENA e do MDB, integrantes da CPI do Menor, podemos atribuir o indiscutível êxito dos trabalhos.
O SR. PAULINO CÍCERO – Deputado Manoel de Almeida, o discurso de V. Exa. é para se ouvir, não para se questionar. Tinha realmente de ser V. Exa. o Relator dessa Comissão , visto que transformou sua vida um verdadeiro sacerdócio em favor do menor. Toda Casa sabe disto, e o povo mineiro não ignora que, ao longo de seus anos de militância política e mesmo anteriormente, V. Exa. dedicada e anonimamente, sem buscar dividendos fáceis, se devotou ao estudo do grave problema do menor abandonado e carente no Estado de Minas Gerais. Lá estão várias unidades das Escolas Caio Martins a atestar o fecundo esforço de V. Exa. e de sua família, particularmente de sua esposa, em benefício do menor. Cumprimentando esta Casa e a Comissão de que V. Exa. foi Relator pelo magnífico trabalho apresentado.
O SR. MANOEL DE ALMEIDA – Agradeço a V. Exa. , de coração, seu generoso aparte.
Finalizo, Sr. Presidente.
Resta-nos, agora, aguardar as decisões do Governo Federal e concluir, como afirmei na apresentação de “A Realidade Brasileira do Menor”
“O que importa, finalmente, assinalar, não é a orientação inovadora, arrojada e realista da CPI do Menor, mas fundamentalmente, a responsabilidade do Poder Executivo da União em atender, agora e já, às exigências prioritárias de sobrevivência da infância, da juventude e da família desassistidas do Brasil.” (Palmas, o orador é cumprimentado)

1972 - Município: Célula Base do Desenvolvimento Nacional

CAMARA DOS DEPUTADOS
MUNICÍPIO: CÉLULA E BASE DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL
DISCURSO PROFERIDO NA SESSÃO DE 25 DE OUTUBRO DE 1972.
DEPARTAMENTO DE IMPRENSA NACIONAL – BRASÍLIA, 1973

O SR. MANOEL DE ALMEIDA
Sr. Presidente, Srs. Deputados, há alguns dias tive a oportunidade de proceder à leitura de trechos da tese elaborada pelo professor brasileiro Paulo Reis Vieira ao concluir curso de doutorado na Universidade do Sul da Califórnia.
Dentre outras premissas levantadas por aquele ilustre patrício ressalta, de início, a que demonstra de forma cabal e irrefutável que o território brasileiro não se encontra tão retalhado em unidades municipais como costumam apregoar os defensores da tese de já é muito grande o número de municípios brasileiros.
O citado mestre fez um levantamento entre 45 países de todos os continentes, e constatou que o Brasil ocupa um dos últimos lugares ao se calcular a proporção entre as unidades municipais por Km2 ou entre a população média por unidade municipal.
Assim é que enquanto em nosso País a 1ª. das relações citadas, número de municípios por km2, é igual a 0,0004, nos Estados Unidos é de 0,01; no Reino Unido, 0,07; no Peru, 0,001; na República Dominicana, 0,004; na Suíça, 0,08; na Espanha, 0,02.
Se analisamos a 2ª. relação, referente à população por unidade municipal, verificaremos que o Brasil é um dos países onde a média de habitante por unidade municipal é das mais elevadas, desde que é igual a 20.540 habitantes por município, enquanto nos Estados Unidos é de 2.07; o Reino Unido 3.261; na Itália 6.465; na Venezuela 12.75; na Espanha 3.373.
Observa-se, pois, que não existe razão plausível para justificar-se a tese, defendida por algumas, de que a rarefação municipal no Brasil está a indicar a necessidade de um reagrupamento dessas Unidades, de forma a propiciar a sobrevivência daquelas que se encontram em grave crise econômica, financeira e administrativa.
Sou radicalmente contrário a essa orientação, em face de motivos os mais diversos. Em primeiro lugar ela parte de uma premissa inteiramente errada, conforme acabo de anunciar ao transmitir à Casa o valioso testemunho de um eminente mestre brasileiro, quando se encontrava nos Estados Unidos completando seus estudos para obter o título de doutorado, desde que, segundo esse magnífico trabalho, da divisão municipal do Brasil não resultou fragmentação excessiva de área territorial, nem tampouco sensível pulverização dos seus índices populacionais.
A criação de um município implica necessariamente a formação de um núcleo de maior concentração populacional dentro da nova área municipal, oriundo de uma vila ou de um povoado, que obtém, assim, o status de sede da nova comuna.
Os serviços essenciais começam a se instalar com mais intensidade na nova sede municipal, iniciando-se, por igual, mais acentuada concentração de cidadãos para examinar o melhor método de conduzir os problemas da nova unidade político-administrativa.
Surgem então as pressões sobre os governos locais, partidas da população citadina e dos líderes rurais, no sentido de dotar o município recém-criado de um mínimo de serviços essenciais, capazes de conferir à sua população as vantagens inerentes ao progresso da humanidade, criadas para a satisfação dos seus anseios de civilização, como também para propiciar melhores condições de vida ao seu povo.
Daí resulta a tese geral de que, ao se criar uma nova unidade municipal, se estabelece por igual naquele ponto uma força criadora de um processo de desenvolvimento.
Nem sempre as autoridades da novel comuna podem atender às pressões que recebem, mas transformam-se elas em outras forças vivas, que pressionam as autoridades dos Estados e da União, no sentido de obter desses Poderes as vantagens que constituem reivindicação mais acentuada das populações locais.
O Município de Formoso, por exemplo, era antes um Distrito do Município de São Romão, na região limítrofe com o Estado de Goiás, a 360 Km da sede. Talvez tenha sido o mais esquecido dos distritos mineiros. Apesar de transformado em novo município, não conseguiu obter grande desenvolvimento, possivelmente em decorrência dos fatores adversos que contribuem para emperrar o seu progresso. No entanto, da sua criação resultou efetivamente um fato altamente positivo: daí em diante a sua sede transformou-se em núcleo que passou a irradiar as instruções e decisões que beneficiariam a vasta zona rural do município, antes inteiramente abandonada.
Em que se pese a pouca experiência administrativa de suas lideranças, algo se vem fazendo em favor daquela comunidade.
No entanto, pelas suas características. Formoso continua um daqueles municípios desmembrados que deveriam ser reagrupados. Tal decisão produziria um efeito realmente catastrófico para a comunidade, desde que se suprimiria o único apoio de que se vale hoje a sua população, já habituada ao novo status. Não seria muito mais acertado que se procurasse instruir as lideranças sociais enquanto conferisse a esse município nova estrutura político-administrativa, mais consentânea com a realidade que o cerca?
Esse exemplo de Formoso não poderia ser aplicado aos demais municípios novos, criados em razão do desmembramento das outras unidades que lhes deram origem?
Formoso não constituiu um município fantasma, conforme com efeito pode ter ocorrido com algumas cidades surgidas naquela época em outros Estados da Federação. Ali se encontra a sua sede, modesta é verdade, com a sua Prefeitura e os demais prédios públicos essenciais, transmitindo aquele calor humano tão necessário para fortalecer o cidadão na luta contra o meio adverso e hostil, assegurando uma cobertura para o atendimento das necessidades mais prementes da população local.
Como ser poderá destruir tal benefício, que é real, patente, palpável mesmo, sem que se destruam as mais justas esperanças da população que ali vive sob o impulso da nova administração instalada no local?
Mesmo admitindo-se a hipótese de que a criação de determinado município não foi precedida de um estudo mais cuidadoso, nem tenham sido antecipadamente examinados os fatores sócio-econômicos da nova unidade e que o seu surgimento foi fundado em critérios predominantemente políticos, mesmo assim a sua extinção representará retrocesso. Posição que, por igual, demonstra absoluta incoerência, pois está em flagrante contraste com a política do Governo, de ocupação dos espaços vazios do território nacional. Aí estão a Transamazônica, as Agrovilas, as Microvilas, às quais o Presidente Médici vem oferecendo decisivo apoio indo pessoalmente verificar a sua localização, construção e funcionamento.
Sr. Presidente e nobres Srs. Deputados, deve-se ter sempre que, de um modo geral, as deficiências existentes nas administrações municipais decorrem principalmente de defeitos do próprio sistema, que estabelece como base da arrecadação das receitas municipais tributos baseados em taxação de riquezas.
Ora, um município em formação não pode ter um orçamento equilibrado se a sua arrecadação se assenta na taxação de imposto predial, desde que, numa cidade recém-criada, tal aspecto é por demais incipiente e precário, por isso mesmo que sua economia é pobre e consiste principalmente na atividade rural primária.
Esses mesmos erros se cometeram no lançamento da maioria dos tributos, restando ao Poder Municipal aguardar o recebimento da sua cota de participação no Imposto sobre a Renda e no Imposto sobre Produtos Industriais, ambos de responsabilidade da União, ou no Imposto de Circulação de Mercadorias cuja arrecadação é atribuída aos Estados. Desse fato, resulta continua dependência dos Governos Municipais para com os dos Estados e da própria União.
Aliás, a fase de desenvolvimento econômico e social em que se encontra o nosso País exige a descentralização dos serviços, restando à União a programação geral e a execução daqueles trabalhos que são de sua exclusiva competência. Para isso, torna-se necessário que se altere o sistema tributário brasileiro, de forma a ampliar a receita própria de cada entidade.
Esse crescimento da receita dos municípios ensejará a cada unidade municipal cuidar dos serviços sociais de sua comunidade, como os educacionais, sanitários, recreação, cultura, etc.
Também quer-me parecer que os trabalhos técnicos, como os de fomento agrícola, deveriam caber aos governos municipais, pois que estarão estes mais em contato com as comunidades rurais, melhor sentindo os problemas que as afligem e discutindo juntamente com elas as soluções mais indicadas. A transferência dessas tarefas para a responsabilidade dos Governos locais não impede que continuem privativos destes aqueles serviços que já são por tradição de sua exclusiva competência.
O fenômeno de redistribuição de encargos tem uma dupla significação: a de fazer passar para os governos dos municípios aquelas tarefas que melhor se enquadram no âmbito das respectivas atribuições, enquanto se libera a União para o planejamento global e para a execução de trabalhos que, por sua natureza, terão que continuar a ser feitos sob a responsabilidade do Governo Federal, os quais não poderão, em face de razões diversas, ser delegados aos Governos dos Estados nem tampouco às autoridades municipais. Além destes, há os de natureza normativa.
A execução daquelas tarefas transferidas aos Governos municipais, embora caiba a cada unidade local, não poderá nem deverá ser feita aleatoriamente. Terá de obedecer a uma programação geral, estabelecida pelo Poder Central, de forma que a soma das tarefas de cada unidade municipal, embora executadas pelos governos locais isoladamente, venha a constituir, no seu conjunto a harmonia programática da ação do Governo.
São essas particularidades do problema que deverão ser cuidadosamente examinadas, a fim de que se prepare a administração municipal para assumir o encargo de tal execução. A difusão de fases continuas de treinamento é essencial para o sucesso dessa nova metodologia, cumprindo à União e aos Estados o encargo de promover tal processo sob forma intensiva, com a responsabilidade dos órgãos incumbidos dessa tarefa nas duas esferas administrativas citadas.
O preparo dessas equipes, que irão constituir a base de funcionamento desse novo sistema, é na realidade condição fundamental para o respectivo êxito. Cada grupo será orientado no sentido de cuidar da execução de determinado setor, cumprindo-lhe, em casos específicos, a elaboração de um programa de execução, de forma que o trabalho corra normalmente, livre de tumultos decorrentes da falta de metodologia própria.
A pobreza das comunas brasileiras decorre, pois de um processo errôneo de entendimento, quando, ao se conferir atribuições a cada uma delas, quer parecer mais que se lhes concede um favor, muito embora na realidade essa subdivisão de encargos e de responsabilidades seja de exclusivo interesse do Pais, desde que tal formula ensejará a oferta de trabalhos sociais e técnicos mais eficientes, por mais baixo custo, desde que todo o conjunto funcionará com mais regularidade. Agir de modo diferente sem subestimar a função da célula, na convicção de que a atividade do órgão e do organismo que a incluem, pudesse suprir aquele primado.
A tese aventada de que se tem apurado vários casos de má aplicação de recursos decorre exatamente da falta de melhor treinamento do pessoal incumbido da administração municipal, que lhe enseje enquadrar a aplicação de tais recursos em serviços importantes para a comunidade, criando-se para isso, inicialmente, a respectiva infra-estrutura material e de mão-de-obra especializada.
A corrupção administrativa de que resulte a aplicação fraudulenta de recursos não pode nem deve ser motivo de discussão para obstacular esse processo de divisão de encargos num programa geral de desenvolvimento, por que para isso já existe o remédio legal previsto no Código Penal Brasileiro e, ainda, a legislação pertinente a tais casos.
Naquele estudo realizado pelo Prof. Reis Vieira, ao qual já me referi, verifica-se que, entre outros fatores, a idade do País como nação independente e o crescimento da taxa do produto nacional bruto, inclusive o desenvolvimento dos meios de comunicação, acarretam, pari passu, um processo correspondente de descentralização, dotado de intensidade semelhante. Desde que o Brasil se encontra em fase de desenvolvimento, apresentando cada ano taxas elevadas de crescimento do seu produto interno bruto, havendo, por igual, sensível evolução dos meios de comunicação, a tese do reagrupamento de algumas unidades municipais representaria uma flagrante incoerência com os sistemas hoje vigentes, dos quais já se utilizaram outros países para atingir o estágio de desenvolvimento que hoje ostentam.
Acresce, ainda, que uma sede municipal, por mais modesta que seja, representa sempre a a presença do poder público em determinados pontos do território pátrio, os quais, a partir da implantação ali da sede do Governo local, já começaram a carrear benefícios para essa comunidade, em maior ou menor grau.
No momento em que o Governo Federal desfralda a bandeira da ocupação da Amazônia, cumpre cuidar de preparar a estrutura municipalista daquela região para os encargos que lhe forem cometidos dentro daquela sistemática antes proclamada, que transfere aos municípios a execução dos serviços sociais e técnicos, os quais passarão a ser exercidos de preferências por elementos locais, com maior vivencia da região, e, em conseqüência, mais aptos ao pleno exercício dessas tarefas. Não é sem motivo que a cultura se interioriza, com a implantação dos campus universitários em áreas pioneiras.
Aliás, o Decreto-Lei no. 200-67, que estabelece a Reforma Administrativa, foi sábio em determinar que a execução de programas de caráter nitidamente local devera ser delegada aos órgãos estaduais ou municipais incumbidos dos serviços correspondentes.
O legislador soube prever com muita sabedoria que o desenvolvimento nacional somente poderia se processar normalmente se houvesse essa divisão de atribuições, evitando a sobrecarga de tarefas sobre a União, enquanto os Governos locais, que melhor poderiam exercitar muitos serviços, ficariam perdidos na ociosidade, sem um programa de atendimento imediato às necessidades prementes da comunidade.
Como poderá atingir uma fase de maior mobilidade da máquina administrativa federa, se cada hora se aumenta a sua carga de tarefas que constituem encargos nitidamente afetos aos Governos dos Municípios? Foi por isso que o decreto-lei aludido, base da Reforma Administrativa, decidiu dividir os encargos com os órgãos próprios de cada Governo, do Estado ou do Município, de forma a se obter melhor e mais eficiente desempenho.
A autonomia política e administrativa, que a Constituição brasileira concede ao município, constituiria realmente uma orientação bastante avançada não fora a dependência que sujeita os municípios aos demais Poderes, do Estado e da União.
Cabe, pois aos organismos incumbidos de prestar assistência aos municípios uma posição deveras importante nesta fase, qual seja a de laçar as bases de uma programação objetiva com vistas a tal finalidade.
A penetração da Amazônia terá de ser seguida da criação de várias unidades locais, à medida que novos núcleos populacionais se vão criando, de foram a se obter ali a redução da incidência elevada de municípios com áreas muito grandes. Trinta e cinco por cento das unidades locais da região possuem área variável entre 10.001 até 50.000 quilômetros quadrados, quando no nordeste tal percentual se reduz a 1,3%, na região sul é nula e na sudeste equivale a um décimo por cento.
O SR. LOMANTO JUNIOR – Nobre Deputado, quero cumprimentar V. Exa. pelo magnífico discurso que pronuncia sobre temas dos mais oportunos. Tendo sido, por duas vezes, Prefeito e Líder na Câmara dos Vereadores do meu Município, nos primórdios de minha vida pública, venho acompanhando o evolver da situação municipal desde aquela época. Na presidência da Associação Brasileira de Municípios cheguei à conclusão, conforme já havia dito em discurso que pronunciei ano passado, de que necessitam os municípios de maiores recursos, especialmente aqueles de capacidade financeira reduzida. Também declarei que seria um retrocesso a anexação dos municípios. Configuraria mesmo erro grave, porque essas comunidades já gozam de autonomia. Apenas carecem de recursos, para que possam continuar seu desenvolvimento. Portanto, felicito V. Exa., pelo magnífico discurso que pronunciou nesta tarde e pelas sugestões que endereça ao Governo da República. Estamos certos de que precisamos cada vez mais fortalecer os municípios, caro Deputado, pois são eles sem dúvida alguma, as células que constituem o organismo nacional. E, quando uma delas se debilita, está enfraquecida toda a Nação.
O SR. MANOEL DE ALMEIDA – Agradeço a Vossa Excelência o aparte, tanto mais honroso por ter partido de quem foi o Presidente do órgão máximo dos Municípios, eleito com tanto entusiasmo. A passagem de V. Exa. pelo municipalismo representou importante degrau na sua gloriosa ascensão à vida política, que tanto honra o seu Estado e o Congresso Nacional. A sua intervenção é a de um grande técnico em municipalismo brasileiro, e reforça sua experiência como Governador de uma das mais importantes Unidades da Federação. Ilustre Deputado Lomanto Junior, é pois, com muito prazer que incorporo ao meu pronunciamento a manifestação de V. Exa.
Sr. Presidente e nobres Srs. Deputados, está cabalmente demonstrado que o desenvolvimento do Brasil deverá ser acompanhado da subdivisão de atribuições da União com os Governos locai. Deve-se reconhecer que a extinção de municípios vai gerar problemas difíceis para as populações onde ocorrer tal reagrupamento.
Com base nessas premissas é que deve ser o problema devidamente estudado, para que desse esforço conjunto resultem soluções corretas, capazes de promover o bem comum e o desenvolvimento integrado do Brasil.
Será através desse procedimento que se irá gradativamente corrigindo o difícil problema da distribuição de renda, que é um dos defeitos de se ressente o programa de desenvolvimento do País.
Se isso ocorrer, poderá em breve o 3º. Governo da Revolução, verificar haver promovido o crescimento da economia nacional com a distribuição da riqueza, resultante desse avanço, entre maior numero de brasileiros, pois beneficiaria maior numero de regiões. Igualmente, será conduzida maior soma de recursos para regiões esquecidas do território pátrio embora todas sejam dignas de continuas lembranças de parte dos homens responsáveis pelo progresso nacional.
É esta a sugestão que transmito ao Governo do ilustre General Emilio Médici, na certeza de que haverá da parte de Sua Excelência plena compensação para com o problema difícil que cerca os municípios brasileiros, nesta hora de grandes dificuldades para a comunidade nacional.
Era o que tinha a dizer. ( Muito bem; muito bem. Palmas. O orador é cumprimentado.)

1978 - Diário do Congresso Nacional

DIÁRIO DO CONGRESSO NACIONAL
ANO XXXIII – N. 017 CAPITAL FEDERAL QUARTA FEIRA, 29 DE MARÇO DE 1978.

O SR. MANOEL DE ALMEIDA (ARENA – MG) Pronuncia o seguinte discurso – Sr. Presidente, Srs. Deputados, encontro-me nesta tribuna para novamente abordar o problema da agropecuária do meu Estado, Minas Gerais, que enfrenta dificuldades que se expressam em índices estatísticos que, pelo seu aspecto negativo, a tornam tão necessitada como a de outras regiões brasileiras , formalmente consideradas mais pobres e mais carentes de apoio governamental.
Na realidade, refiro-me ao próprio “primo pobre” da economia nacional, que desde os primórdios da industrialização vem sustentando, em seu detrimento, através do conhecido processo de transferência de renda para o setor industrial, todo o peso do processo do crescimento brasileiro dos últimos tempos e de hoje. Ainda é o preço aviltante que às vezes remunera a matéria-prima agrícola que possibilita as elevadas margens de rentabilidade dos setores de transformação ou mesmo de serviços.
Atividade marcada por grande complexidade, certamente não basta que se lhe atribuam recursos, créditos ou alguma atenção: faz-se necessário um sistema de atuação e orientação diferenciadas para se aplicar esses recursos, para oferecimento desse crédito, ou mesmo para se manifestar essa atenção. O homem do campo não é melhor nem pior do que o homem urbano; é apenas diferente, mais carente, mais pressionado e talvez mais necessário, por produzir um bem material tangível, diretamente relacionado com a sobrevivência humana. Urge, pois, que seja visto nesse aspecto e que em relação a ele não falte a gratidão tributável a quem produz com sacrifício. Por força de toda uma sorte de dificuldades torna-se o rurícola cada vez mais raro, mais escasso, cada vez mais distante da terra de origem, cada vez mais participante na população do chamado “terciário informal” , mais concretamente, a população marginalizada, favelada em torno e dentro das grandes cidades.
Após vários acontecimentos isolados, mas repetidos, a região norte de Minas Gerais entrou num processo de dificuldades que culminou com a seca de 1977.
Essa estiagem que seria a repetição de um fenômeno climático do ano anterior, teve uma abrangência sensivelmente maior, atingindo não só os Municípios da região da SUDENE, no chamado Polígono das Secas, mas também se estendendo desde o Vale do São Francisco até os vales do rio Doce e do rio Mucuri.
Naquela ocasião, safras agrícolas foram completamente perdidas e rebanhos desfalcados por morte de animais ou pelas vendas compulsivas realizadas pelos rurícolas para honrarem seus compromissos bancários.
Ocioso seria tecer maiores comentários sobre os fatos ocorridos porque notórios e, inclusive, apurados in loco, pelas autoridades federais e do Governo do Estado.
Na tentativa de conjurar tal situação, chegou-se a estabelecer um programa de auxílio àquela área, visando não só a concessão de maiores prazos para pagamento das dívidas vencidas e vincendas dos agricultores, como também o deferimento, sob condições especiais, de créditos suplementares. O referido programa teria a denominação de PRONOR.
Felizmente, o Banco do Brasil tomou a iniciativa de conceder prazos especiais, casuisticamente, a todos os mutuários prejudicados, providencia essa que mais tarde foi encampada pelo próprio Banco Central e estendida aos demais Bancos, inclusive o Banco do Noroeste. Reconhecemos, assim que o Governo não deixou ao desamparo aquela região e sua brava gente.
Nesse episódio cabe ressaltar a atuação eficiente e benéfica do Dr. Mário Paccini, Diretor Regional do Banco do Brasil, responsável em grande parte pelas decisões adotadas pelo Agente Financeiro de apoio ao rurícola afetado pela crise. Honra ao mérito ao grande brasileiro, neste momento distinguido pelo Presidente da República com a indicação de seu nome para o cargo de Ministro do Tribunal de Contas da União.
Apenas para a apreciação do que nos preocupa, acrescentaria que não obstante a valiosa ajuda do Banco do Brasil, a região prejudicada que foi enormemente em seu patrimônio, representado por um dos melhores rebanhos bovinos do País, continua a vês suas matrizes serem abatidas ou retiradas para outras regiões mais aquinhoadas, por falta, na maior parte dos casos, de financiamento direto para o setor pecuário.
Podemos ilustrar a drástica situação com que me foi diretamente relatado pelo Prefeito Antonio Lafetá Rebello, de Montes Claros, cidade que no norte de Minas exerce o papel de centro regional de uma extensa área com marcantes características para a pecuária e que abrange o norte, o noroeste e grande parte do nordeste mineiro. Diz o Prefeito daquela dinâmica cidade que há cerca de três anos e meio foi feita uma estatística ao ensejo da vacinação contra a aftosa, relevando-se um rebanho regional para a mesma finalidade, dando-se a conhecer uma triste realidade: pouco mais de 700 mil cabeças foram então vacinadas.
Cumpre salientar, Srs. Deputados, que essa situação, ao que parece, não é exclusiva da área de Montes Claros, Governador Valadares, região de aptidões bastante semelhantes, envolvendo parte do nordeste mineiro e os vales do Mucuri e Rio Doce, segundo especialista no assunto, estaria padecendo do mesmo fenômeno verificado em Montes Claros: uma diminuição jamais constatada na população bovina regional.
Verifica, quem viaja pelo norte, noroeste e principalmente nordeste e vales dos rios Doce, Mucuri e Jequitinhonha, imensas e pujantes pastagens com escassa presença de gado, quando tecnicamente teriam capacidade de suporte de um número sensivelmente maior, como o comprovou o passado recente, quando o mesmo viajante tinha oportunidade de vislumbrar um exuberante cenário de uma terra intensamente explorada.
Não há negar, mantido o atual quadro, continuarão as matrizes e o gado novo, com as cavidades ainda vazias de carne, a ser abatido inapelavelmente, com o conseqüente prejuízo o produtor e simultaneamente comprometendo o futuro da agropecuária nacional. Ao lado disso, as importações de emergência que se realizam para atender a solicitação do mercado acabam por acarretar maiores dificuldades, adiando a solução do problema. Primeiro por que é retirada do criador a oportunidade de vender; segundo porque força baixas artificiais de preço com efeitos desastrosos para quem despendeu somas superiores às auferidas na venda.
Vale aqui lembrar que os incentivos fiscais instituídos para motivar a ação pioneira do brasileiro nas regiões novas – SUDAM, principalmente – transformaram-se em instrumento de desequilíbrio e de enriquecimento fácil e rápido, notoriamente de capitães da indústria nacional. Competem estes, no mercado doméstico e estrangeiros, levando essa margem fabulosa de favor – metade de seu Imposto de Renda – com o modesto criador, que adquire a terra, o gado, mantém os gastos de produção , tudo à base de dinheiro tomado a taxas altas e com correção monetária. E não apenas competem, mas constituem, também, pelo volume de sua produção, lastro regulador, na política governamental de preços; não obstante a pecuária continua em crise e anda para a ruína. Basta raciocinar: os fatores de produção da pecuária não têm elemento regulador, crescem seus preços a taxas superiores à própria inflação, ao passo que o valor do produto agropecuário, por motivos óbvios, não pode crescer. Deve ser sempre contido. Faça-se uma análise da produção, nesse setor, nos últimos 10 anos; cotejem-se os resultados com a ascensão constante e violenta dos preços dos fatores da produção agropecuária e estou certo de que a sentença será esta: criar gado no Brasil é negócio para loucos ou para quem usa o seu dinheiro nessa operação.
A irracionalidade nos processos do fluxo financeiro, além do acima dito, agrava a situação, pois que, para saldar a dívida, vendem as matrizes, fêmeas ainda aptas à procriação e novilhas novas. Daí, as estatísticas já de domínio público.
O SR. JORGE ARBAGE – Nobre Deputado Manoel de Almeida não poderia deixar de trazer a V. Exa. a solidariedade de um homem da Região Amazônica, onde os fatores climáticos narrados por V. Exa. ocorrem quase que anualmente. Com a seriedade que lhe é peculiar, desenvolve V. Exa. o drama das populações nordestinas atingidas pela estiagem. Nós, de nossa parte, enfrentamos os problemas climáticos das enchentes. Ainda agora, cidades importantes do Pará, como Tucuruí, Cametá e São João do Araguaia estão submersas, em virtude das grades enchentes do Tocantins no meu Estado. Mas esses fenômenos, que eu considero como caprichos eternos da natureza, hão de repetir-se ainda por muitos anos, malgrado as providencias efetivas e oportunas determinadas pelo Governo no tocante a socorro às vítimas tanto das enchentes quanto das estiagens. No Sul, grande parte das lavouras é dizimada pelas geadas: no Nordeste, pela seca; na Amazônia, pelas enchentes. Esse somatório de fatores climáticos negativos tem causticado a produtividade brasileira e contra eles luta o nosso caboclo heróico, com a força do seu ideário e com coragem, tentando e conseguindo vencê-los. Tem V. Exa. a nossa integral solidariedade pelo magnífico pronunciamento que faz. Com inteligência e ênfase, pinça V.Exa. um quadro real das dificuldades enfrentadas por toda uma população como a nordestina, quase que sistematicamente castigada pelo peso da estiagem que destrói e que dizima a produtividade regional.
O SR. DEPUTADO MANOEL DE ALMEIDA – Agradeço ao ilustre líder o aparte que tanto vem enriquecer meu discurso e completar as observações que faço. Água de menos, água de mais, geadas e outros fatores climáticos são variantes da mesma cries e das mesmas dificuldades. Há necessidade da utilização urgente de processos racionais de créditos, processos racionais de técnicas agrícolas, principalmente, do bom zoneamento e da boa localização do produto com vistas ao seu racional aproveitamento.
Sr. Presidente, como nos referimos nos momentos de crise o Governo tem comparecido, muitas vezes generosamente, atribuindo até a fundo perdido recursos ao rurícola que significam expressiva drenagem de recursos que poderiam estar sendo utilizados no atendimento de um sem-número de outros problemas de uma nação como a nossa, em processo de desenvolvimento.
Não somos insensíveis à ação governamental de estender as mãos àqueles que sofrem maiores dificuldades, mas admitimos como no velho ditado chinês, que, preferível a atribuir o alimento, seria ensinar a obtê-lo. Preferível à ajuda contingencial – emergencial – seria dotar o agricultor de um sistema capaz de proporcionar-lhe condições efetivas para superar seus problemas, mesmo diante de intempéries naturais ou pseudonaturais.
É chegada a hora em que as medidas emergenciais devem ser superadas por um programa abrangente, que envolva todos os órgãos responsáveis do Governo Federal e Estadual, situando-se no seu valor os auxílios episódicos e paliativos.
Desejo por em relevo, como da maior conveniência, a necessidade de criação de um programa global, que contemple soluções definitivas tais como a recuperação de pastagens, pela introdução de moderna tecnologia; açudagem intensa; abertura de poços artesianos; defesa e preservação do produto; à eletrificação rural e ao crédito inteligente; que enfim, substitua o crédito desorientado de nossos dias por um contexto programático dentro da realidade objetiva e de fácil aplicação.
A nossa visão de um crédito desorientado repousa nas seguintes constatações:
1. Inexiste uma programação técnica para a atribuição de crédito rurícola. Na realidade, o oferecimento de crédito se efetiva sem uma paralela assistência técnica. O agente financeiro, apesar de não ser sua atribuição precípua, exatamente por ser o maior interessado em ver saldados os compromissos do mutuário, deveria assisti-lo de forma integrada plena. Se o agente é capaz de exercer ação fiscalizadora, perguntamos: porque não transformar esse encargo em apoio técnico ao tomador de empréstimos rurais? Parece-nos pedagogicamente mais aconselhável. Seria a pedagogia do crédito. A rigor, além de não oferecer aos agricultores, principalmente aos mais desprovidos de capacidade gerencial, os instrumentos de que carece para lograr sucesso em seus empreendimentos, muitas vezes não aceita, este mesmo agente financeiro, a contribuição do órgão de extensão rural especifico, com atuação no meio. Como conseqüência verifica-se gastos dispersos e inadequados na linha de crédito respectiva, e a reina do próprio tomador, que fica sem meios para saldar sua dívida.
2. Por outro lado, a figura do avalista entra em cena para suprir a confiança em contratos sem estrutura. E o próprio avalista, às vezes, se empenha em favor do mutuário, viabilizando empreendimentos fadados ao insucesso.
3. De outra forma, o projeto concebido segundo o exigido pelo agente financiador, por si só, não garante a boa concretização do empreendimento. Realizado na maior parte das vezes por firmas especializadas nesse tipo de atividades, resulta quase sempre num apanhado de informações de mercado, custos, rentabilidade e outras variáveis constantes de qualquer Manual de Elaboração de Projetos, mudando apenas de denominação, localização física e outros aspectos menores. São irreais, não retratam a realidade de cada estabelecimento agrícola, nem consideram os problemas inerentes a cada região. São documentos feitos à feição de preenchimento de formulários em escritórios, na cidade. Como não poderiam deixar de ser, conduzem muitas vezes a distorções na obtenção de crédito, quanto determinadas rubricas são superestimadas para possibilitar a utilização do dinheiro na compra de bens não diretamente relacionados ao empreendimento propriamente dito.

Na concepção de um sistema de crédito orientado, algumas considerações teriam realce:
1. Aqui o projeto seria visto como o caminho mais racional. Não o projeto caro e irreal feito pela firma de consultoria, mas o da EMATER – caso de Minas Gerais. Essa entidade entra no Município com encargos para o mesmo, através das contribuições do Fundo de Participação dos Municípios e, por isso mesmo, realiza suas tarefas a baixas taxas, servindo ao produtor e à sua família, desde a orientação de como, onde, o que e quando produzir, até nos princípios de higiene e da economia doméstica.
Nesse sentido, o projeto passaria a permitir a boa seleção do mutuário e traria implícito, em sua seqüência, os antecedentes produtivos do mesmo, constituído, assim, assim suficiente de sentença no êxito da operação.
2. No crédito orientado imaginaríamos linhas racionais de prestação do serviço financeiro dentro de um corpo de princípios sócio-econômicos e de ação administrativa geral, obedecendo a dois desdobramentos básicos: uma ação inicial, envolvendo o aprendizado do crédito, e uma ação subseqüente, para aqueles comprovadamente capazes.
2.1. Na primeira ação se partiria da situação atual, onde já é possível focalizar hábitos a adquirir, por parte do tomador de empréstimo. Resultaria aferir as modificações de comportamento do homem – tomador – e na adoção de medidas consentâneas com a necessidade da racional promoção do rurícola na terra. Nesta fase, seria realizado um cadastramento sumário, observando as circunstâncias e as necessidades imediatas, sendo o mutuário submetido a criterioso exame de viabilidade técnica – sua capacidade – para assumir responsabilidades pelos recursos a serem tomados.
2.2. Na ação subseqüente, trata-se de estabelecer o plano geral de gestão e de desenvolvimento do processo produtivo na propriedade rural, tendo em vista uma programação de médio e longo prazo.
Nesta fase, estuda-se o enquadramento dos bens e da pessoa responsável num plano de trabalho para esforço ao longo do tempo. Significa estabelecer um roteiro em linhas racionais e realísticas, ajustadas às condições personalíssimas da família, com vistas à sua promoção social de forma integrada.
Esse enquadramento, que significaria o ponto de partida na aquisição de novos hábitos e de um sadio comportamento na vida produtiva, não seria restrito a determinadas classes sociais, segundo seu poder aquisitivo, mas abrangeria todos, grandes, médios e pequenos proprietários rurais, sem qualquer distinção, observando naturalmente as respectivas necessidades.
Em sua essência, as proposições que aqui se fazem viam a obter dois resultados fundamentais. Da ótica do produtor rural, tenha o crédito um efeito efetivamente positivo, venha a ser um instrumento de trabalho que, racionalmente manipulado, lhe possibilita com recursos de terceiros, e baseado numa idéia de produção e na efetiva assistência técnica, obter resultados compensadores, capazes de lhe possibilitar devolver os recursos recebidos e sua competente remuneração e obter excedentes que o promovam socialmente e o habilitem a investirem em novas atividades, em processo gradativamente auto-sustentando, segundo sua capacidade.
Da ótica do agente, quer-se que venha a assumir uma função de responsabilidade efetiva com o sucesso do empreendimento. O esquema de garantia, montado numa proporção em que a massa de bens patrimoniais possui valor sensivelmente maior que a soma de recursos emprestados, confere, uma relativa despreocupação ao agente financeiro. Qualquer que seja o resultado da aplicação em qualquer circunstância, o agente não será lesado, os bens em garantia e/ou o avalista garantem a devolução segura dos recursos oferecidos em serviço. No nosso entendimento, há aqui uma distorção de ordem filosófica: na realidade deveria interessar tão somente o sucesso do empreendimento, porque interessa ao produtor, também ao banco, e principalmente à Nação. Estivesse a instituição financeira ligada ao próprio encaminhamento do empreendimento, desde o enquadramento da idéia, bens e pessoa, até a obtenção dos resultados, com certeza talvez fosse diferente a realidade da economia rural brasileira. Estando envolvido neste processo, supervisionado, prestando assistência técnica, cuidando para que o homem do campo sob seus cuidados evoluísse, assim como toda a sua família, aprendessem técnicas e procedimentos corretos, se transformasse de lavrador em pequeno empresário rural, certamente este mesmo Banco não necessitaria exigir garantias, pois a garantia estaria na própria eficiência com que prestasse seu serviço financeiro complementado pelas atividades subsidiárias referidas, estaria nos resultados da colheita, na produção que interessa a todos nós brasileiros.
Para finalizar, Sr. Presidente, gostaríamos de fazer uma última observação: um funcionário público ou de uma empresa privada, mesmo de nível médio, possui uma economia razoavelmente estável, mesmo auferindo vencimentos modestos. A sua casa é financiada, possui eletrodomésticos – televisão e geladeira – e educa os filhos nos estabelecimentos existentes no meio. Por outro lado, um fazendeiro possuidor de 300 alqueires de terra - com valor aproximado de 10 milhões – não tem às vezes condições de educar um filho. Sua casa é triste. Sua economia em termos financeiros representa menos do que é possível com os baixos salários da cidade. Por quê?
Falta-nos uma estrutura administrativa, conseqüente quase sempre da ausência de uma adequada e orientada linha de crédito.
Ouve-se freqüentemente: “a Fazenda do Orlando tem valor tal, que apurado em moeda e colocado em poupança renderia mensalmente X, suficiente para uma existência tranqüila, próspera. Não gastaria a décima parte desse dinheiro, mensalmente, o mesmo que levasse uma vida de constante lazer, dentro e fora do País.” Fosse o caso do ex-proprietário dos 300 alqueires referidos acima, seria uma renda em torno de 300 mil cruzeiros mensais.
Mas está certa essa filosofia que emerge desses cálculos, bem ou mal formulados? Se todo brasileiro - proprietário rural – tomar essa atitude, cedo teremos transformado o meio rural em paraíso dos especuladores e turistas privilegiados, como, aliás, já se observa em redor dos grandes centros urbanos. Mas quem alimentaria a massa que hoje se aglutina em torno dos centros urbanos?
Ficam a pergunta e a opção: continuar como está ou promover a organização da propriedade rural brasileira? (Palmas)

sábado, 24 de dezembro de 2011

Confiram, pesquisem e aproveitem o blog!

http://www.manoeljosedealmeida.blogspot.com

Blog de pesquisa sobre a obra de Manoel José de Almeida, militar, político e educador.

HISTÓRICO DAS ESCOLAS CAIO MARTINS - (SEM DATA)

História
Filosofia
Estrutura
Ação
Destino

- UMA IDEIA –
As escolas CAIO MARTINS nasceram de um ideal relacionado com a formação do homem a serviço da ordem. Propunham-se à prática de atividades capazes de modificar o comportamento convencional, isto é, a velha praxe da repressão e da vigilância dos atos anti-sociais. E, pretendiam assim realizar obra pioneira, diferente de tudo quanto, até então, se havia intentado, no delicado campo em que iriam atuar. Em síntese era a substituição paulatina do vigiar e reprimir pelo educar e assistir.
A meta seria atingida através da convivência dos servidores da Policia Militar com o fator embrionário dos delitos - a criança desamparada ou simplesmente necessitada de recursos capazes de lhe permitirem uma adequada formação da personalidade. A idéia teria sua fecundação no encontro do servidor da causa pública – o soldado – com aquele que seria, por diante, objeto de suas atenções e cuidados.
Eis quando se verifica o confronto de duas realidades objetivas geradoras de uma resposta, que haveria de conferir à obra um programa e uma filosofia.
- UMA FILOSOFIA –
Tão logo chamado à nobre missão assim proposta, verificou o miliciano, transformado em educador, que a tarefa não se resumiria no simples esforço de prover alimento e agasalho a quem não desfrutava desses bens materiais. Tratava-se de empresa complexa, a exigir, para a composição do programa global de resposta a necessidades, muito variadas, específicas, e reais, de um esforço bem maior e mais inteligente do que se poderia imaginar de início.
A criança no lar confere responsabilidade de uma programação plástica, de modo a construir com a imensa gama das solicitações da personalidade, o modelo da escola que a ciência pedagógica há anos persegue e só nos dias que correm emerge no painel das aspirações humanas.
- PROGRAMA DE AÇÃO –
A ação da entidade nascente deveria incidir nesta ordem de pensamento, já agora transformando em programa. Ultrapassado ficou o elementar cuidado visando sanar carências materiais apenas, quase sempre filhas de desajustamentos sócio-econômicos. Essa preocupação cedia lugar a outra de conteúdo dirigido ao atendimento da personalidade, portadora muitas vezes, em suas origens, de lastros negativos a serem pensados, estudados e corrigidos.
Tal preocupação reflete-se no sistema imaginado para a implantação do processo educativo “caiomartiniano”: a criança é estabelecida num lar, vizinho de outros lares, da igreja, da farmácia, do campo-de-futebol, das oficinas artesanais e das áreas de produção agrícola, num conjunto emoldurado pela paisagem rural, física e humana, a sintetizar a comunidade, onde o fenômeno educativo se manifesta na espontaneidade e plenitude do contexto vital.
O pensamento de Dewey, que se conforma com o princípio de que “educação não é a preparação para a vida, mas educação é vida”, encontra, dentro das CAIO MARTINS, sua melhor concretização, pois ali se prepara o ambiente em que a criança logra existir plenamente, no conceito bio-psíquico, e desenvolver-se para a melhor vivência social num ambiente em que tudo seja educativo, até mesmo os fatores negativos, onde crianças e adultos auferem os benefícios de sua alta qualidade.
Longe ficou – repita-se a simples idéia de uma escola voltada tão somente para os cuidados com a boa cama e a boa mesa para o menino desajustado. Essa escola substituiu-se por outra muito mais rica de motivações se inspirações, estruturada à base de um complexo de fatores educativos muito mais espontâneo e eficiente na sua dinâmica e nos seus resultados.
Esta foi a idéia posta em prática pelas CAIO MARTINS, após o reconhecimento, por parte de seus dirigentes, da delicada filigrana que consubstancia o esforço objetivando a transformação do comportamento humano, em adequação com a problemática ambiente.
Organismo vivo, a entidade tendeu a desdobrar-se em novas estruturas, sempre atendendo à filosofia de repostamento às solicitações do meio com medidas adequadas. Surgiram, assim, depois da unidade instalada, em janeiro de 1948, na Fazenda Santa Tereza, município de Esmeraldas.
1 – ESCOLA DE PIRAPORA, a primeira do vale do São Francisco. Instalada em velho prédio, na então vila de Buritizeiros, esta unidade enfatizava, em seu currículo, aquelas atividades de maior afinidade com a região – a agropecuária, a pesca e a navegação.
2- NÚCLEOS COLONAIS DOS VALES DO CARINHANHA E URUCUIA, condicionados pela ocorrência de duas circunstâncias felizes: a existência de vastas áreas de terras inaproveitadas de boa qualidade e à presença de uma população rural inteiramente desassistida e em permanente migração.
3 – CENTROS DE TREINAMENTOS DE JOVENS LÍDERES RURAIS DE SÃO FRANCISCO E JANUÁRIA, onde se pôs em prática uma experiência nova, talvez a primeira do continente sul americano, assinalada pela preocupação de levar o princípio da escola ativa e da educação global dos mais distantes e atrasados rincões do Estado, através de líderes convenientemente preparados e devolvidos às áreas de origem.
4 – CURSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES, predominantemente para jovens do sexo masculino, com o qual se propunha desdobrar, até onde possível, o sistema integrado em Esmeraldas e outros núcleos, assim como lastrear a própria filosofia da obra. Vale evidenciar que este Curso, então identificado como Curso Normal Regional, ensaiou, por seus objetivos a sua atuação, uma experiência nova, hoje exaltada através dos chamados Colégios Polivalentes: dar ao educando, lado a lado com a preparação intelectual, um princípio de qualificação profissional. O professor formado nesta escola deveria ter, para preencher-lhe o tempo ocioso, depois das aulas, uma profissão que lhe permitisse, de um lado, complementar a receita e, de outro, o ensejo de ampliar seus serviços à comunidade e, destarte, alargar a influencia da própria liderança a que se destinara.
- ESTRUTURA –
Concebida sem maiores ambições, a entidade procurou plasmar-se com simplicidade, de modo a não envolver maiores responsabilidades para o Governo do Estado.
O decreto-lei publicado a 5 de janeiro de 1948 dava à organização um cunho experimental, liberando seus dirigentes de dedicação exclusiva. Os componentes do primeiro Conselho Diretor da entidade desempenharam, de fato, suas funções sem prejuízo de suas atividades normais na Polícia Militar e sem qualquer remuneração.
Há de se acrescentar ter sido esta época, não obstante, a fase das grandes realizações administrativas, com o enriquecimento do patrimônio institucional. Ao tempo, somente os diretores de cada um dos estabelecimentos de rede escolar serviam à obra em regime de tempo integral.
Neste período, assinaram-se convênios com a Campanha Nacional da Educação Rural – CNER, do Ministério da Educação, com o Ministério da Agricultura através do extinto Instituto Nacional de Imigração e Colonização, com o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos e com a Comissão do Vale do São Francisco.
A entidade, a essa altura já pluralizada, usufruía também dos benefícios de um salutar entrosamento com outros e diferentes órgão do Estado e da União. Com a Secretaria do Interior, entendia-se sobre o aspecto sócio-jurídico do menor e sobre questões de contratos de funcionários civis; a Secretaria de Educação respondia, como ainda hoje, pela condução do ensino nos níveis primários e secundários, a Secretaria da Agricultura comparecia, vez por outra, com a cessão de técnicos e a doação ou empréstimos de semovente; a Secretaria de Saúde mantinha na instituição - e o fez, durante anos – um médico, que não apenas assegurou a assistência especializada aos internos como preparou jovens enfermeiros lançados nos empreendimentos do vale do S. Francisco; a Companhia de Navegação do S. Francisco proporcionou, após o lançamento da escola de Buritizeiros ( então, município de Pirapora ) substancial ajuda na construção de uma pequena embarcação para a ligação entre os núcleos institucionais ribeirinhos, assim como no fornecimento do pessoal-de-bordo para a primeira lancha e apara o barco bandeirante “Raimundo Santos”, construído no Núcleo Colônia do Vale do Carinhanha. Do Ministério da Aeronáutica, por intermédio de D. Darcy Vargas, as Escolas receberam a pequena aeronave, ainda hoje em tráfego, batizada pelos meninos caiomartinianos de ANJO VERDE, porque lhes levava recursos financeiros, remédios, presentes e a própria mensagem da mística institucional.
Finalmente, a Polícia Militar proporcionou a composição do Conselho Diretor da entidade e forneceu as praças que foram os primeiros chefes de lares e artífices, assim como recursos materiais. Da colaboração de modestas praças dos destacamentos foi que chegaram à obra caiomartiniana recursos para as primeiras construções definitivas, após a instalação dos 18 primeiros internos no velho paiol da Fazenda Sta. Tereza. Há poucos anos, foram as Escolas anexadas à Polícia Militar, como Unidade, desaparecendo seu Conselho Diretor e com ele, alguns aspectos interessantes da obra.

- UMA VOCAÇÃO –
Por imperativos de uma viação, aguardam as Escolas uma definição e uma personalidade jurídica que melhor se ajustem à sua tradição, sua ordem e seus fins. As linhas atrás desenvolvidas revelam a natureza do empreendimento que, através dos tempos, vem se comportando como algo que tem, na própria dinâmica e na organicidade de sua estrutura, o estímulo que implementa e projeta as linhas do seu futuro. Servindo-se da miraculosa potencialidade que são os insondáveis da personalidade juvenil, a obra é, na sua essência, quase auto-suficiente. A assertiva encontra o testemunho no fato de terem as “Caio Martins” se desdobrando em sucessivos programas do mais arrojado pioneirismo, sem abertura de crédito financeiro pelo Governo e sem outros sacrifícios para o erário que não os da alimentação para menores tutelados pelo Poder Público. Considerados os recursos empenhados na construção dos diferentes núcleos caiomartinianos e o vulto das obras realizadas, ter-se-á uma visão da realidade. Pode-se assegurar – não fossem essas obras realizadas com os meios advindos do próprio potencial da instituição e teria sido alcançada, desde os primeiros tempos, a auto-suficiência tão sonhada pelas obras assistenciais.
Em abono desta tese, cumpre ainda assinalar as aquisições, pelas economias da entidade, das 4 salas em que funciona, em Belo Horizonte, a direção geral das Escolas e das 4 glebas que acresceram o patrimônio da Fazenda Sta. Tereza, assim como de outra também os rebanhos distribuídos pelas Escolas de Esmeraldas, Pirapora, São Francisco e Núcleos Coloniasi do Carinhanha e do Urucuia, também formados com recursos oriundos da própria instituição. Em 1952, as Caio Martins possuíam rebanho bovino superior a 500 ( quinhentas ) cabeças.
Levando-se em conta o exposto, evidencia-se apenas a potencialidade do obra, conduzida com acerto, no aproveitamento, valorização e orientação do trabalho do jovem educando.
Se considerarmos, porém, a possibilidade de cada unidade escolar já existente, subsidiada a entidade com um projeto sócio-econômico, de base técnica capaz de lhe suplantar o lastro patrimonial e a potencialidade já comprovada com as vantagens da ajuda externa, inclusive, quando for o caso, de órgãos de financiamento internacional, podemos imaginar quais seriam o futuro e a qualidade dos feitos da entidade caiomartiniana. No mesmo passo, a permanência do “status quo” atual, em que a obra, atingida por injunções da hora presente e circunstâncias a marcarem, no momento, a vida e o trabalho da Polícia Militar, tende a estagnar-se e mesmo a diluir-se, leva a conclusões bem pessimistas:
1º. – Coloca-se em perigo de descrédito e, talvez, de extinção uma experiência que, no seu alvorecer, despertou a atenção de famosos nomes vinculados à educação e à sociologia aplicada, tais como Pierre Bouvet, Helena Antipoff, Lourenço Filho, Cândido Jucá Fo. E o próprio diretor da Cidade dos Meninos, Pe. Flanagan. Citem-se as palavras de Lourenço Filho, quando as CAIO MARTINS eram o incipiente núcleo da Fazenda Sta. Tereza, de Esmeraldas:
“Quando, na UNESCO procurávamos uma solução para a educação de comunidades nos países subdesenvolvidos, em verdade, sonhávamos com aquilo que viríamos encontrar na escola CAIO MARTINS”.
2º -Subtraímos – o que é mais grave, considerando o interesse social em jogo, agora tomado em dimensão nacional – a oportunidade que tem o Estado e a União de verem desdobrar-se, em benefício das populações necessitadas de vastas áreas interioranas e de legiões de jovens desamparados, um empreendimento que poderia, em poucas décadas, cobrir imensos espaços vazios do nosso território, com um esforço da maior valia, no sentido de uma ocupação efetiva.
- DESTINO –
Ressalta do que foi dito que as CAIO MARTINS, envolvendo um complexo de atividades que respondem a uma imensa variedade de solicitações dos seres humanos e da sociedade, não poderiam ajustar-se a um único setor de atendimento. Não poderiam filiar-se à Secretaria do Interior, em que pese o relacionamento de sua missão com a do Estado através da proteção à criança; não poderiam inscrever-se no quadro da Secretaria da Agricultura por maiores que sejam as afinidades desta repartição do Governo com a obra, voltada quase integralmente, em sua filosofia e seu programa para organização rural; não poderiam jungir-se igualmente à Secretaria de Educação, cujo compromisso convencional com o problema educativo, atém-se obviamente à ortodoxia imposta pela necessidade de atingir com processos simples de formação curricular áreas de diversificado padrão cultural; não poderiam filiar-se à Secretaria do Trabalho, que envolve áreas extensas, mas específicas, nas responsabilidades de formação e ajustamento do homem ao labor, ela também contingente e necessitaria por sua vez da colaboração dos demais órgãos; finalmente, não se poderia imaginar as CAIO MARTINS acrescendo o volume de responsabilidade a pesar hoje sobre a Polícia Militar. Incumbindo-se esta do policiamento em mais de 700 cidades e milhares de vilas e povoados, bem como, do Serviço de Trânsito, da Polícia Florestal, do Serviço de Bombeiros e do esforço de formação básica dos filhos dos próprios componentes e da parcela do mundo civil, através dos Colégios “Tiradentes”, seria um desacerto impor-lhe carga insuportável, mormente se se considerar a variedade dos temas que constituem o acervo filosófico da obra: ruralismo, educação do menor desvalido, educação de comunidade, aprendizagem profissional, economia doméstica, atividades extracurriculares para ambos os sexos.
Deve-se, finalmente, ressaltar as características “sui-generis” das CAIO MARTINS, na paisagem humana abrangida por seus serviços.
A composição do quadro em que atuam não se restringe à faixa do menor desamparado da conceituação tradicional. Vai bem além. Atinge o filho do lavrador e, com este, a sua família, realiza trabalho de profilaxia do êxodo rural. E mais: apanhando o menor desamparado do grande centro, busca a entidade devolvê-lo às atividades que constituíram a tradição de sua família, tornando-o quase sempre um divulgador de idéias profissionais de seus antepassados, em estágio de promoção. Nisto, precisamente, está a diferença entre CAIO MARTINS e a FEBEM que age na área do menor desvalido, dando-lhe formação profissional ajustada tão somente à sua recuperação em bases racionais sem a preocupação, porém, da formação de lideranças, preocupação que foge à sua problemática, para a estruturação de comunidades rurais, consoante a da natureza da instituição caiomartiniana.
As CAIO MARTINS necessitam obviamente da colaboração de todos os órgãos citados, mas não podem, por sua própria natureza eclética, vincular-se especificamente a qualquer deles.
A estrutura de Fundação, universalmente consagrada, é por isto mesmo, o caminho, a vocação, o destino irreversível de uma obra surgida para trabalho identificado com os mais caros e legítimos anseios da pátria.