terça-feira, 20 de dezembro de 2011

1964-1965

SALMERON, Roberto A. A universidade interrompida – Brasília 1964-1965, Editora UnB, p. 338 a 345

“Estamos vivendo crise desde a revolução de abril. Esta é a verdade. Enquanto houver este ambiente de desconfiança, de olheiros na Universidade, tomando nota, aparecendo listas de professores que vão ser demitidos, não será possível um trabalho tranqüilo. Vossa Magnificência, como professor universitário, posto neste cargo pela revolução, por conseguinte, de confiança das autoridades, deveria fazer ver a essas autoridades militares que isto que estão fazendo na universidade é absolutamente incompatível com um trabalho universitário serio...” Eu participei desse clima, todos os dias chegava alguém e dizia “Olha o professor fulano está na lista. Você está com o nome na lista”. Vossa Magnificência, como professor há de entender, que não é possível. A origem de toda esta crise é exatamente esta, ao lado das deficiências materiais que o Professor Zeferino Vaz apontou em seu depoimento. Essas, as verdadeiras crises da Universidade, não é o afastamento do atual Reitor que vai solucionar, o que vai solucionar é exatamente o fim desse clima, o fim de toda essa apreensão que domina os atuais professores, bem como aqueles que para cá se transferirem sob vigilância das autoridades militares, vendo na Universidade de Brasília um foco de subversão capaz de constituir ameaça aos três Poderes da República.
O deputado e professor Roberto Saturnino definiu a situação com precisão.

Um deputado fala como pai de alunos da universidade e mostra as contradições nas palavras alarmantes do Reitor.

O Sr. Deputado Manoel de Almeida – “Senhor Presidente, Senhores Deputados, Magnífico Reitor, uso da palavra hoje não apenas como Deputado, mas como pai de dois filhos que estudam na Universidade de Brasília, sentindo pois o problema que sentem outros pais, que não tem a oportunidade de dialogar com Vossa Magnificência. O nosso trabalho em favor da Universidade de Brasília se iniciou ainda no velho Palácio Tiradentes, quando depois de uma visita feita a Brasília, tivemos a oportunidade de, ocupando a tribuna, lançar algumas palavras aos pais que para cá deveriam vir”.. “Foi assim que começamos a nos bater pela Universidade, e essa luta nos vincula ao problema e nos dá responsabilidade para hoje aqui tratar do assunto com Vossa Magnificência”... “Como pai de dois filhos, eu aqui deponho para Vossa Magnificência, nunca ouvi na minha casa, dos meus filhos, qualquer manifestação a respeito de qualquer assunto que pudesse denunciar vinculação a esquerdismo ou qualquer processo de agitação dento da Universidade. Converso com meus filhos como se fossem irmãos, aprendo com eles, troco idéias a respeito de todos os problemas, e qual não foi a minha surpresa quando tive conhecimento de que a Universidade de Brasília estava sendo causa de intranqüilidade nas famílias de Brasília. Ora, eu que vivo em Brasília desde o início – cheguei aqui antes da inauguração –, que tenho convivência fraterna com meus filhos, com filhos de outros companheiros e de funcionários que freqüentam a nossa casa, não pude entender a veracidade dessa expressão, que teria vindo de Vossa Magnificência, de que a Universidade teria sido ocupada para evitar a intranqüilidade nas famílias de Brasília. Os jornais disseram fartamente, no dia seguinte ao da ocupação”.

O Sr. Depoente – “Devo dizer a Vossa Excelência, Deputado, que o meu propósito e as medidas, que reconheço enérgicas, que tomei, foram com o objetivo de impedir fatos de ocorrências piores. Talvez não deva divulgar certas informações que me chegam ao conhecimento ,porque não posso responder pela veracidade delas, mas ainda continuo preocupado, porque surge uma informação de que se vai tentar uma agressão a um professor, surgem informes os mais variados , que podem ser boatos, mas que soa elementos que causam intranqüilidade, pelo menos àqueles professores que não se demitiram e que chegam até a pedir garantias à Reitoria e responsabilizar a Reitoria por quaisquer danos nos seus departamentos.”

O Sr. Deputado Manoel de Almeida - “Eu desejava fazer algumas perguntas que anotei, e pedia a colaboração de Vossa Magnificência. Porque demitiu os Professores Antônio Cordeiro, Jorge Guimarães e Reinaldo Magalhães?”

O Sr. Depoente – “Eu á informei, numa reunião anterior, que esses professores foram demitidos por motivos exclusivamente disciplinares. Foram apontados como elementos que tiveram uma participação maior ou menor no ambiente de agitação e na deflagração da própria greve da Universidade de Brasília.”

O Sr. Deputado Manoel de Almeida – “Vossa Magnificência poderia individualizar os fatos em relação aos três?”

O Sr. Depoente – “O que posso dizer evidentemente é um fato – é que procurei me informar se por acaso alguns desses professores teriam sido detidos por palavras que teriam sido pronunciadas no campus da própria universidade, e se fora em função de afirmações feitas.”

O Sr. Deputado Manoel de Almeida – “Palavras que teriam sido...”

O Sr. Depoente – “Proferidas em termos de planejamento com atos de represália para com os militares que estavam no campus universitário.”

O Sr. Deputado Manoel de Almeida – “Vossa Magnificência conhecia esses professores antes?”

O Sr. Depoente – “Conheci o Professor Cordeiro como Coordenador, em contatos que mantive com ele em reuniões com Coordenadores.”

O Sr. Deputado Manoel de Almeida – “E considerava esse professor capaz de uma atitude dessas?”

O Sr. Depoente – “Seria inimaginável que eu pudesse admitir que esse professores universitários, exclusivamente em assuntos universitários, tomassem atitudes como tomaram. O Professor Cordeiro foi um dos professores, na assembléia, favorável a uma greve de 24 horas na Universidade. A respeito desse assunto eu quero insistir em que, se houve injustiça, o problema hoje está na alçada da própria Presidência da República que chamou a si o exame desses fatos.”

O Sr. Deputado Manoel de Almeida – “Vossa Magnificência não ouviu esses professores antes de demiti-los?”

O Sr. Depoente - “Não ouvi. As demissões a que procedi, procedi em termos apenas invocando atribuição estatutária, que me confere a faculdade de zelar pelo regime disciplinar da Universidade. Isso não significa, em nada, um desapreço à posição ideológica desses professores ou às atividades científicas por eles exercidas. Eu entendo que minha atitude é uma atitude que resguarda até esse professores, de certa forma, porque amanha não se poderá dizer nas repartições a que servem, que foi uma demissão por motivos ideológicos ou por motivos de agitação, ou disso, ou de qualquer outra razão que não acadêmica.”

O Sr. Deputado Manoel de Almeida – “Vossa Magnificência, quando se referiu a esse movimento, talvez quisesse fazer referência a um complô que se preparasse, arquitetado lá não sei contra quem, contra professores de lá de dentro ou pessoas estranhas à Universidade?”

O Sr. Depoente – “As informações são várias Para que não aumentassem esses motivos de inquietação, eu pediria ao eminente deputado que me escusasse de responder a essa pergunta. Pessoalmente, eu poderia responder a Vossa Excelência.”

O Sr. Deputado Manoel de Almeida – “Apenas eu desejava saber desde já se foi esse o motivo, essa informação, que determinou essa demissão?”

O Sr. Depoente – “Foram várias as informações que eu recebi, informações sobre elementos da Universidade e de elementos de fora.”
O Sr. Deputado Manoel de Almeida – “Vossa Magnificência tem isso por escrito?”
O Sr. Depoente – “Não tenho aqui, mas tenho, por exemplo,os depoimentos prestados pelos professores presos. É um dos elementos por escritos que tenho.”
O Sr. Deputado Manoel de Almeida – “Professores presos?”
O Sr. Depoente – “Que foram presos. “
O Sr. Deputado Manoel de Almeida – “Qual foi o motivo dessa prisão?”
O Sr. Depoente – “Exatamente esse o motivo.”
O Sr. Deputado Manoel de Almeida – “Essa suspeita.”
O Sr. Depoente – “Não. Foram palavras proferidas no campus por professores, de incitamento a uma atitude de represália contra os militares que lá estavam, que deveria provocar uma reação desses soldados, e, a partir daí, estudantes e professores, solidários, se encaminhariam ao Congresso, a esta Casa, para mostrar estudantes espancados e agredidos. Essa informação que chegou ao meu conhecimento. Se isso foi dito por brincadeira, se isso foi dito simplesmente para aumentar a agitação, é outro problema, mas essa informação chegou ao meu conhecimento.”
“A segunda parte da operação efetivamente se realizou houve uma interferência de professores no Supremo Tribunal, no Departamento Federal de Segurança Pública e, depois, a presença nesta Câmara. Isso é público e notório.”
O Sr. Deputado Manoel de Almeida exprime a sua incredulidade com a pergunta: “Desejavam os professores expor os alunos ao espancamento por parte das autoridades, para depois virem a esta Casa mostrar os alunos machucados? Era essa a idéia?”
O Sr. Depoente – “As minhas informações chegam até esse ponto, mas Vossa Excelência pode dirigir-se às autoridades militares, que podem esclarecer.”
Essas respostas mostram que Laerte Ramos de Carvalho estava circundado por um ambiente de delírio, onde ele, seus auxiliares e seus informantes não distinguiam mais a realidade, pois seria necessário que professores estivessem atingidos de insanidade para pensar em fazer com que estudantes fossem atacados, espancados, feridos e exibidos como vítimas.
A chamada segunda parte da operação referia-se a visitas que professores fizeram a membros do Supremo Tribunal Federal, para pedir auxílio na solução da crise, e ao general comandante do Departamento Federal de Segurança Pública, para tentar dissipar essas idéias falsas a respeito da universidade. O reitor poderia ter incluído também visitas a deputados, a senadores, ao prefeito do Distrito Federal e ao general Golbery do Couto e Silva, chefe do SNI, com o intuito de mostrar o que era realmente a Universidade de Brasília. E as audições da Comissão Parlamentar de Inquérito, sendo públicas, abertas a todos os cidadãos, nada mais natural que professores e estudantes assistissem a elas, pois não podiam ficar insensíveis a acontecimentos que afetavam suas vidas.
O deputado passa a ler um documento, que surpreendeu o reitor.
O Sr. Deputado Manoel de Almeida – “Magnífico Reitor, eu tenho em mão um documento que desejava ler, para que conste do inquérito e certamente para conhecimento também de Vossa Magnificência, que não sei se conhece a folha de registro que se refere à passagem desses professores pela Delegacia. O documento é o seguinte:
Raimundo Real Pereira, escrivão substituto do Cartório da 2ª vara Criminal de Brasília, Distrito Federal, em pleno exercício de seu cargo, na forma da lei, certifica, atendendo pedido verbal da parte interessada que, revendo em seu Cartório o processo de habeas-corpus, no. 249 impetrado por D. Marcos Ruiz Neto e Luis C. M. Clerot, em favor de Antônio Cordeiro, Jorge Guimarães, Reinaldo Magalhães e Ênio Melo, dele à fl. 5 verificou constar o seguinte: “Armas da República, Ministério da Justiça e Negócios Internos, Departamento Federal de Segurança Pública, sem número. Em 31-10-65. Do Delegado do DOPS ao Meritíssimo D. Juiz de Direito e Plantão.
Assunto – Informação. Presta.
MM. Juiz de Direito: Em atenção ao ofício sem número do Juizado de Plantão datado de 11 de outubro de 1965, informo a Vossa Excelência que os indivíduos nele citados não foram presos pelo DOPS encaminhados ao Batalhão de Guarda Presidencial à disposição do Comandante daquela unidade militar, mas sim, foram, por ordem do Excelentíssimo Senhor Diretor-Geral do Departamento Federal de Segurança Pública, em exercício, detidos por agente policial do DOPS, para averiguações, por pesar sobre os mesmos acusações de estarem incorrendo em crime contra segurança nacional. Encaminhados à Delegacia-Geral de Investigações, aguardaram a chegada da autoridade ora informante que, após o procedimento das sindicâncias e diligências para elucidação do fato, e após ouvir esclarecimento dos implicados, não encontrou ilícito na conduta dos mesmos. Submetida esta opinião à Direção-Geral do DOPS – Departamento Especial de Segurança Pública – com a sua orientação foram os elementos já citados de pronto liberados pela autoridade informante.
Aproveita o ensejo para renovar a Vossa Excelência, etc.
As respostas que o reitor tinha dado ao deputado: O que posso dizer – evidentemente é um fato – é que procurei me informar se por acaso alguns desses professores teriam sido detidos por palavras que teriam sido pronunciadas da própria Universidade e se fora em função de afirmações feitas, assim como tenho, por exemplo, os depoimentos prestados pelos professores presos. É um dos elementos por escrito que tenho... Essas respostas, e as declarações do reitor sobre fatos que conheceria, não concordam coma conclusão da Direção-Geral do DOPS, que não encontrou ilícito na conduta dos professores. Nada, no documento lido pelo deputado, deixa transparecer as palavras que o reitor tinha atribuído aos professores. O documento oficial da DOPS, órgão que não podia ter suspeito de complacência ou de favoritismo, estava em desacordo com as afirmações de Laerte Ramos de Carvalho.
A prisão daqueles quatro professores está descrita no capítulo “Espionagem, delações e prisões”.
O Sr. Deputado Manoel de Almeida – “Queria saber a opinião de Vossa Magnificência a respeito desse documento.”
O Sr. Depoente – “Estou tomando conhecimento agora deste documento. Mas posso informar que não foi apenas por este motivo que eu decidi pela demissão desses professores. Eu insisto em que o problema não esta na minha alçada, que o problema o Presidente da República chamou para si e que ele poderá receber representações individualizadas, quando os fatos poderão ser inteira e devidamente apurados.”
Tendo o deputado Mario Piva perguntado por que motivo as admissões estariam nas mãos do Presidente da República, o reitor responde:
“Eu não sei quais as razões do Presidente da República para que ele tenha resolvido chamar para a alçada da Presidência da República este problema.
O Sr. Deputado Manoel de Almeida – “Do ponto de vista da autoridade de Vossa Magnificência mesmo,Vossa Magnificência verifica hoje que foi improcedente, conforme se vê desse documento, onde houve investigações, onde ouve trabalho no sentido de elucidação por parte de autoridade, mesmo depois verificado que não houve nada. Se houvesse, estava na hora de apurar. Porque esses homens estavam presos por este motivo, então as diligencias deveriam se processar até o fim, até a elucidação completa. E eles foram postos em liberdade, o que revela a Vossa Magnificência o fato.”
O Sr. Depoente – “Mas, apesar disto, ainda resta, por informação que tenho, a participação grande e intensa no movimento que deflagrou a greve.”
O deputado Manoel de Almeida, com muita elegância, tinha mostrado as contradições nas afirmações do reitor. Termina fazendo-lhe apelo para que levasse ao conhecimento do presidente da República que aqueles quatro professores tinham sido inocentados pela Dops e que fizesse sentir ao presidente que, como eles eram inocentes, talvez também não houvesse nada incriminável a nenhum dos demitidos.
O depoimento de Laerte Ramos de Carvalho mostra que ele assumiu a reitoria com a mentalidade de alguém que tem a missão de combater malfeitores e caracteriza-se pela insistência em banalizar ações repressivas, em todos os níveis. Não abre nem deixa antever nenhuma via para a solução do conflito.
Fazendo declarações à imprensa e na Comissão Parlamentar de Inquérito em que ataca repetidamente professores e estudantes, apresentando a UnB como lugar de indisciplina generalizada e foco de subversão, Laerte Ramos de Carvalho foi outro grande responsável pelo ressurgimento da ideologia sobre a Universidade de Brasília, retomada por certos jornais. E, em respostas, que deu no fim do depoimento, pretende não ser responsável pelos atos que praticara. Dirigia a Universidade de Brasília como representante do governo, como homem de confiança do presidente da República e do ministro da Educação e Cultura. Permaneceu na reitoria dois anos mais, até 3 de novembro de 1967.

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