quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

1978 - JOÃO RAFAEL

CÂMARA DOS DEPUTADOS
CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO

JOÃO RAFAEL : O NAVEGANTE DO SÃO FRANCISCO

COORDENAÇÃO DE PUBLICAÇÕES
BRASÍLIA – 1978

O SR MANOEL DE ALMEIDA (ARENA –MG) - Pronuncia o seguinte discurso
Sr. Presidente, Srs. Deputados, o herói surge, sem programas prévios, sem profetas. É resultante de forças telúricas e tem sua base humana assentada nos arquétipos da raça. Alguns galgam as páginas da História; outros, com João Rafael, são anônimos e desaparecem como “o soldado desconhecido” de todas as guerras João Rafael, magnífico exemplar de sertanejo! Merece ser lembrado, como ponto alto dos valores que marcaram a velha navegação do São Francisco. Natural de Santana de Sobradinho, antes um celeiro de fluviários, e hoje, um marco do desenvolvimento nacional. Cedo a dirigir os pequeninos barcos a vela, o esforço de buscar o pão – que era o abençoado peixe, mais precisamente o acari – cascudo – das locas da cachoeira. Aí aprendeu a mergulhar perigosamente. E, no dizer de jovem poeta da região, “o andar pelas águas lhe deu braços fortes”, senso de oportunidade, coragem e decisão para os momentos difíceis. Foi o remeiro de barca, humilde função e pesado encargo, situado no inicio da aprendizagem; promoveu-se a marinheiro, onde se revelou destro e inteligente, tornando-se, pela prática, piloto de nossas gaiolas, de inesquecíveis lembranças. Passou a dirigir, com rara mestria, os navios são–franciscanos. Como poucos, enfrentou as duras peripécias da profissão. Ainda se ouve dizer, por onde ele andou: João Rafael, no leme, era confiança para todos. Navio que ele dirigia não ia de encontro a bancos de areia, a paus ou pedras. Era famoso e chegava a ser belo, no seu biótipo de homem esbelto e forte. Preto, bem preto, era um espécimen a consagrar a etnia africana que tanto contribuiu no stock racial da Terra de Santa Cruz. Sua primeira atividade na “marinhagem fluvial” foi na navegação baiana, vindo depois para a mineira, nos tempo do Governo de Wenceslau Braz, que amou as coisas do Rio da Unidade Nacional e impulsionou a sua navegação. Daí a homenagem que lhe prestaram. É o “Wenceslau” o navio mais preso à alma barranqueira, com aquele “apito” choroso e sentimental que despertou em seguidas gerações o sono da gente sertaneja. Durante muitos anos a serviço do transporte regional, apinhado de passageiros e carga, é ele, hoje, pálida lembrança: serve apenas ao turismo, ao lazer, à curiosidade cultural.
Voltemos, porém, a João Rafael, o nosso herói. Um dia ele teve destino adverso: encontrou a tempestade no Mocambo dos Ventos, lugar perigoso e fatídico, célebre pela ocorrência de naufrágios de embarcações de pequeno porte. O vapor Santa Clara, de construção estreita e equilíbrio precário, desempenhava magnífica performance, em sua segunda viagem, nas mãos firmes de João Rafael, quando foi colhido pelo temporal e tombou nas águas revoltas, desaparecendo, e com ele nove pessoas, tripulantes e passageiros. Entre os primeiros, a filha do Comandante Carlos Carneiro de Mendonça, a pequenina Ruth, de nove anos. O pai, enlouquecido, grita: “Salvem minha filha!” Ao pânico, acresce a dor. E os homens mais fortes e destemidos o cercam. Primeiro foi Cazumbá, que desapareceu nas águas na tentativa de algo fazer. Voltou desanimado, dizendo: “Localizei o camarote, mas é muito difícil”. João Rafael, presa de emoção diz: “Vou buscá-la”. Assiste-se, então, ao tempo que não se conta nos relógios. Diziam intranqüilos: “Está demorando, ele deve ter morrido também; não há possibilidade de êxito nessa terrível missão.” Corações opressos, respirações suspensas, todos vêem surgir, em dado momento, da água barrenta a cabeça de João e, em seguida, em seus braços o corpinho de Ruth! Mas, oh, destino! Já sem vida.
Lembro-me do fato, pois ocorreu em minha juventude. Viajei no Santa Clara, de São Francisco a Januária, e conheci Ruth, linda criança, viva e inteligente. No dia seguinte, quando o telégrafo informava o infortúnio, eu também vivi a emoção do fato. Destaque-se, neste relato, que àquela época – 1932 – não existia máscara de proteção para mergulho. A operação realizada por João Rafael, que envolve o esforço de romper a porta do camarote onde se encontrava a criança, se deveu à sua capacidade pulmonar e foi produto de um único mergulho.
Cultuemos, ainda em vida, a grandeza daquele bravo fluviário, legítima estrutura de herói humano.

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