quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

1979 - ROTEIRO PARLAMENTAR

CÂMARA DOS DEPUTADOS
CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO

ROTEIRO PARLAMENTAR
DISCURSO PRONUNCIADO PELO DEPUTADO MANOEL DE ALMEIDA, NA SESSÃO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS DE 4-12-78

COORDENAÇÃO DE PUBLICAÇÕES – BRASÍLIA, 1979

Sr. Presidente, Srs. Deputados, reviver a minha vida pública, no setor da representação popular, constitui tarefa que se identifica com os ideais da mocidade, a partir do momento em que, membro de um corporação policial-militar, passei a ver na criança um fundamento essencial na vida das nações. Alguém disse que “a criança é o pai do homem”, e eu adotei o dístico como refrão e norma.
Situado num meio que tinha como tarefa rotineira a formação de caracteres para o esforço a serviço da Justiça cedo entendi que muito mais econômico e lógico seria cuidar da criança do que travar a luta tardia com o criminoso.
Protágoras, em recuados tempos, falou do homem como medida de todas as coisas, e eu entendi que, numa sociedade homogênea, melhor seria fazer do homem a medida exata para a sua missão na Terra. Assim surgiram as Escolas Caio Martins, hoje, Fundação Educacional Caio Martins, instituída pelo Governo mineiro.
A política viria apanhar-me quando, já afastado da função anterior, encontrava-me empolgado no esforço da profilaxia social envolvendo o homem e sua família, e, quando desgarrado pelo desajustamento, o menor desvalido.
Na Assembléia Legislativa de Minas Gerais, tive o meu primeiro encontro com os problemas do sertanejo. O São Francisco descamba da serra da Canastra, percorre parte do Sul mineiro e atravessa o centro-oeste do Estado, indo após Pirapora constituir o curso médio onde condensa, em suas margens, razoável população desde meados do século passado. Região de grandes planícies, sempre favoreceu o derramamento das águas para todos os lados no curso principal e nos afluentes na fase chuvosa. De tempo em tempo, os desregramentos eram maiores, cíclicos, como dizem os técnicos, determinando perda das lavouras, das casas e trazendo a época endêmica do paludismo devastador.
Na minha infância eu fui um flagelado, na cidade de Januária. Vi com meus olhos de criança o sofrimento da população urbana e senti na ausência de mantimentos a repercussão do fenômeno nas áreas rurais.
Quando entro no Governo o grande Presidente Juscelino Kubitschek, ninguém com mais autoridade do que eu para levar à presença de S. Exa. os prefeitos dos Municípios ribeirinhos à procura de solução para o caso.
Surge Três Marias, incluída como uma das metas do notável Presidente Surgem também contratempos. Os grupos econômicos das multinacionais que comandavam, à época, a exploração de energia elétrica no País preferiam a prioridade na construção de Furnas, eis que essa usina atenderia mais de perto aos objetivos privados. Trava-se uma luta, e nós, levantando perante a Nação o primado das necessidades do homem que precisava de saúde, transporte, agricultura segura e finalmente, também energia, formamos a base de opinião de que carecia o Presidente – e Três Marias tornou-se uma realidade.
O problema do homem, porém, permanecia em meu espírito, e a criança mineira desvalida se beneficia com o primeiro projeto, transformado em lei, criando o Serviço Social do Menor. A essa época, é claro, tudo o que fazíamos era segundo a tônica do trabalho anterior, nesse setor – as Escolas Caio Martins, fundadas em 1948.
A nossa passagem para o Congresso Nacional se deu no mandato subseqüente, e já no inicio da 1ª. Sessão Legislativa recebemos a incumbência muito honrosa de tomar parte na Comissão que redigiu o Projeto de Lei de Diretrizes e Bases do Ensino Nacional, onde figuravam entre outros, Santiago Dantas, Carlos Lacerda e Lauro Cruz, e aí recebi o banho lustral da experiência da cultura de grandes mestres.
Brasília surge no horizonte da Pátria no momento preciso em que borbulhavam em nossos sentimentos as emocionantes idéias de um país renovado e sacudido em seus valores. Poucos acreditavam nela. Da tribuna da Casa de Tiradentes no Rio de Janeiro, eu pronunciei o discurso que intitulei “O encontro do Buriti Perdido”, alusão à página de Afonso Arinos, quando em romagens pelos sertões que envolviam a capital-menina. Aí está Brasília, concreta, inteligente, urb et civitas, o maior interesse para quem visita o ocidente, brotada do engenho de Niemeyer, Lúcio Costa e do ideal do Presidente da linda epopéia. Encorajei, ainda daquela tribuna, a quantos se dispunham a vir aqui acompanhar com sua família dizendo a todos que aqui havia escolas de todos os níveis, inclusive universidade, a partir do segundo ano da nova Capital. E dei o exemplo com meu grupo familiar, trazendo a contribuição de uma professora (minha esposa) e um grupo discente, distribuído do pré-escolar ao pré-universitário. Dei a minha cota de fé a Brasília.
Aqui situado, respirando os are puros “deste Planalto Central, desta solidão...” que em breve se tornou sede dos destinos do Brasil novo, do Brasil emergente como potência de primeira grandeza, não podia eu desconhecer as razões da implantação aqui da sede do Governo. Penetrei na direção de todos os pontos cardeais e colaterais, vi o homem e sua família e senti sua grandeza mesmo na solidão, como pára-quedista, aqui lançados em tempos imemoriais e esquecidos pelos responsáveis dessa façanha, como se devessem involuir até o estágio bárbaro, adquirindo, por si mesmos, a estranha infra-estrutura de estranha organização social, capaz de lhes assegurar sustentação longe dos meios civilizados. E recomecei a pensar em termos do binômio homem do campo-criança.
Lembrando-me de pronunciamento feito ainda na Câmara velha, faço novo discurso e apresento novo projeto – Fundação Nacional de Educação de Base – em que , numa concepção global do problema, submeto à apreciação do Governo idéias que sintetizavam o plano de uma abordagem maior o problema da criança e do rurícola, em que eram principais objetos de enfoque, a costa marítima com o caiçara e sua família e o interior do País, onde o caboclo postula uma sobrevivência melhor através dos tempos desde que ali foi assentado.
Ao correr da construção de Furnas, apresento o projeto criado condomínio do Piuí, em terras recuperadas pelo DNOS, para recolocação de deslocados da bacia de acumulação da referida usina, projeto esse transformado em lei no Governo Goulart, e ainda outro projeto criando a Coordenação de Valorização dos rios Grande e Sapucaí, que não teve encaminhamento pela modificação constitucional decorrente da revolução de 1964.
Assim continuaram nossos trabalhos na rotina de uma vida parlamentar sempre baseada naqueles pressupostos que motivaram a minha vinda a esta Casa.
O Sr. Geraldo Guedes – Permite-me um aparte?
O SR. MANOEL DE ALMEIDA – Com muito prazer e honra, nobre Deputado.
O Sr. Geraldo Guedes – Sinto-me numa situação especial em aparteá-lo, porque me considero na dupla condição de seu colega e vizinho: colega desde os tempos do Tiradentes, onde começamos há 20 anos atrás, e vizinho pela circunstância muito afetuosa de haver privado da companhia de sua família e, conseqüentemente, não poder deixar de prestar um testemunho, na hora em que V. Exa. se despede, que é o testemunho da saudade, é a voz do sentimento, a voz do afeto, a voz dos vínculos mais íntimos que podem unir as pessoas.
O SR. MANOEL DE ALMEIDA - Muito obrigado.
O Sr. Geraldo Guedes – Queria dizer que V. Exa., na verdade, não foi menos pai de família do que Deputado nem menos Deputado do que pai de família. Sempre foi um homem igual, devotado à causa pública, preocupado com o bem geral e possuidor de dotes excepcionais de inteligência e cultura, ressaltados nos projetos apresentados por V. Exa., que se converteram em lei, voltados para a infância, para a juventude, para o amanhã, para os pequenos pobres, para aqueles sem bênçãos de mãe ou apoio de pai, que nada tem na vida senão uma proteção que não sabem de onde vem. Lembrou-se V. Exa. dessa gente, fazendo com que, através de lei, fosse criado um serviço social para assistir o menor abandonado. Os traços da sua personalidade, a sua atenção como homem público, não sou eu quem deve ressaltar. Eles estão presentes na sua vida. Aqui, venho congratular-me com V. Exa.,pois sei que, lá fora, no convívio de sua família, o nobre Deputado há de deixar mais uma vez marcada a sua atuação. Aqui, na Câmara, ficarão o registro e o testemunho do seu trabalho, realmente importante para o desenvolvimento do nosso País. Para os grandes problemas que antevia examinava, tinha sempre uma palavra, uma sugestão, uma idéia, um caminho, um roteiro. Portanto, longe de dizer que V. Exa se vai para não fazer nada; acho que V. Exa se vai para fazer muita coisa.
O SENHOR MANOEL DE ALMEIDA - Mudo apenas de trincheira, nobre deputado. Ouço com muito prazer o Deputado Bias Fortes.
O Sr. Bias Fortes – Sr. Deputado Manoel de Almeida, nós mineiros,que conhecemos de perto sua vida pública, que sabemos da sua dedicação às causas de nosso Estado, de nosso País e, em especial, à causa do menor abandonado, queremos no instante em que apresenta suas despedidas, dizer-lhe que V. Exa. dignificou Minas Gerai, enalteceu o homem público do Brasil.
O SENHOR MANOEL DE ALMEIDA - Muito obrigado a V. Exa. pela sua generosidade. Tenho a honra de ouvir o grande tribuno dos pampas, meu presidente, Deputado Carlos Santos.
O Sr. Carlos Santos – Meu nobre Deputado Manoel de Almeida, tenho a impressão de que trago, aqui, a outorga de 25 milhões de menores carentes e abandonados, espalhados por esse Brasil afora.
O SENHOR MANOEL DE ALMEIDA – Falarei sobre isso na oportunidade
O Sr. Carlos Santos – São menores dos quais as gerações vindouras não terão o direito de exigir responsabilidades em face dos compromissos com a vigente sociedade de sua Pátria, porque foram subestimados no nascedouro, marcando esse problema tremendo que está aí – o da marginalização do menor. Foi nesse setor, meu caríssimo amigo Manoel de Almeida que aprendi a admirá-lo como homem extraordinário que, na sua terra natal, a lendária Minas Gerais, se dedicou de corpo e alma ao problema da criança, essa criança que é a perenização do homem; que trouxe para a Câmara dos Deputados essa mística, deixando plasmada nesta Casa Legislativa a figura extraordinária do benemérito muito mais do que a de um simples parlamentar, que fez de cada instante, de cada minuto, de cada pedaço de tempo ao seu dispor uma preocupação diuturna, incansável com os menores do Brasil. Eu diria que estava aqui com a outorga, meu caro e nobre Deputado, de agradecer a V. Exa. a magnífica contribuição que deu como Relator, à CPI do Menor. Invoco o testemunho do nosso companheiro Ruy Côdo, que também participou daquela Comissão, para ressaltar a atuação de V. Exa. que ali estava, todos os dias a indagar a perquirir, a dialogar com os depoentes que vinham trazera sua inestimável colaboração. V. Exa. deu um tom todo especial à Comissão. Posso dizer que todo o brilho do nosso trabalho – trabalho considerado um dos melhores do gênero, até hoje, apresentados nesta Casa – deve-se V. Exa, ao seu espírito, a sua inteligência a esse apostolado com que V. Exa. se dedicou aos menores carentes e abandonados do nosso querido país. Quero saudá-lo neste instante e dizer do pesar com que a Câmara dos Deputados vê o ilustre companheiro não ser reconduzido ao cargo, à posição que sobremodo honrou e dignificou. E muito mais do que esta Casa, lá fora, digo e repito, estão os 25 milhões de menores abandonados e carentes, suas famílias, seus amigos, lastimando também que o grande Deputado Manoel de Almeida não possa continuar lutando, aqui dentro, em favor das crianças do Brasil, e favor dos nossos pequeninos irmãos, tão sacrificados no próprio nascedouro da vida. Tenho a certeza de que não será necessária a tribuna desta Casa para que V. Exa. continue nesse apostolado, meu nobre Deputado, pela grandeza maior do Brasil de amanhã, hoje retratada nos infelizes patrícios, digo assim, que formam essa legião infinda, essa legião sofrida de menores carentes e abandonados.
O SENHOR MANOEL DE ALMEIDA – Com justificada emoção, agradeço a V. Exa. grande Deputado Carlos Santos.
O Sr. Genival Tourinho – Permite V. Exa., Deputado Manoel de Almeida, um aparte?
O SENHOR MANOEL DE ALMEIDA – Com prazer, nobre conterrâneo e amigo.
O Sr. Genival Tourinho - Nobre Deputado Manoel de Almeida, a estima que tenho por V. Exa., bem o sabe é a mais profunda possível. Ainda menino, aprendi a admirá-lo através da admiração que meus pais tinham por V. Exa. Somos ligados, inclusive por laços familiares, seus primos são meus primos. O processo de formação de V. Exa., homem do sertão, homem das barrancas do São Francisco, foi idêntico ao meu...,
O SENHOR MANOEL DE ALMEIDA – Exato.
O Sr. Genival Tourinho – Se a minha estima já era conhecida por V. Exa., ainda não tinha tido eu a oportunidade de externar a profunda admiração que sempre senti pela sua simplicidade, pelo seu espírito combativo, por tantas obras que realizou em favor do Estado de Minas Gerais. Deputado Manoel de Almeida, a nossa atividade parlamentar, tão fluídica, algumas vezes par nos inexpressiva, porque não sentimos imediatamente os resultados em V. Exa. sempre se consubstanciou de maneira impressionante. Podemos apontar a sua participação em Três Marias, obra extraordinária de Juscelino Kubitschek de Oliveira, podemos apontar a sua presença pujante naquela obra extraordinária de Caio Martins, que transformou V.Exa numa legenda viva do sertão de Minas Gerais. Nos últimos 25 anos, não houve momento de vida política das Minas Gerais a que V. Exa. não estivesse presente e não tivesse deixado marcado, com determinação, coragem e acentuado espírito público, o seu nome, o sobrenome de sua gente, o homem do sertão em última análise Lamento esteja V. Exa. se despedindo desta Casa. Estou realmente comovido,pois, repito, a minha estima por V. Exa. foi adquirida através da estima que meus pais sempre lhe dedicaram. Cumprimento V. Exa. e, no momento em que esta Casa perde o seu convívio, quero dizer que o seu nome está inserido aqui definitivamente, como inserido está na sensibilidade de todo o povo, de toda a gente de Minas Gerais.
O SENHOR MANOEL DE ALMEIDA – Agradeço a V. Exa. a bondade do aparte, e afinco-lh ser recíproca em intensidade a amizade que lhe devoto.
O Sr Ruy Côdo – Nobre Deputado Manoel de Almeida permita-me que, genuflexo, também ocupe esta tribuna de apartes, com o coração em pranto. Comecei a admirar V. Exa. nesta asa, quando da oportunidade em que foi Relator da CPI do Menor Abandonado, da qual participei, ao lado do Presidente Carlos Santos e de outros tantos companheiros, que tratamos do problema do menor carente em nosso País. Temas como este merecem desta Casa e do Governo atenção toda especial. Este é o derradeiro discurso que V. Exa. profere na legislatura que se encerra. Tenho a certeza de que o eco de suas palavras terá ressonância durante a ausência de V. Exa. O seu relato na CPI constitui verdadeiro monumento, no qual terá V. Exa V. Exa. o nome inscrito em bronze e mármore. Na qualidade de paulista, cumprimento V. Exa., em nome das crianças que vivem naquelas favelas abandonadas do meu Estado. Na minha Capital, todos conhecem perfeitamente as dificuldades porque passam as crianças carentes. Ainda outro dia, nobre Deputado Manoel de Almeida, em São Paulo, a Rede Globo de Televisão – Canal 5 levava a todos os lares brasileiros a informação de que uma favela seria transferida para um bairro. E todos puderam ouvir o protesto daquelas famílias. As crianças que moram naquela favela são como as outras, precisam de escolas, alimentação, etc. Como Relator da CPI do Menor, escreveu V. Exa. lindas páginas. Na semana passada conversava eu com o nobre Deputado Almir Pazzianoto. Dizia-me ele que guardava com carinho esse relatório, na sua gaveta. Fez menção a V. Exa. e a todos aqueles que participaram da CPI do Menor. Jamais o Brasil esquecerá jamais a criança brasileira deixará de recordar-se, principalmente o menor carente, que tem em V. Exa. um símbolo que dignifica este País. Haveremos de lutar, nesses quatro anos, na sua ausência, por esse ideal, sempre levando bem alto o nome de Manoel da Almeida.
O SR. MANOEL DE ALMEIDA – Muito obrigada a V. Exa.
O Sr. Paulino Cícero – Nobre Deputado Manoel de Almeida, não desejo privar a Casa de continuar ouvindo o magnífico discurso de V. Exa. Apenas quero lembrar que o Congresso Nacional é um universo de assuntos e de interesses. Realmente, é muito difícil que o parlamentar, em aqui chegando, não se perca entre tantos escaninhos, entre tantos labirintos de assuntos e temas que lhe são propostos. Poucos são aqueles que seguem, efetivamente, uma Ursa Maior uma direção indesviável na sua ação parlamentar e no seu trabalho político. V. Exa., Deputado Manoel de Almeida, é um desses homens que, sendo polivalente para tratar de todos os grandes assuntos nacionais que por esta Casa desfilaram ao longo das últimas duas décadas, teve, no entanto, um denominador comum de preocupação com um tema que consumiu toda a sua vida. É necessário, realmente, que o parlamentar possua visão de perspectiva e até visão de prospectiva, para ter essa diretriz comum. E, no trabalho em prol do menor, V. Exa soube consagrar a sua vida a um tema. Por isso, o afastamento físico de V. Exa. desta tribuna e desta Casa não significará a marginalidade de um tema que V. Exa. soube resgatar. Eu nome será honrado nessa tribuna, neste plenário, nas Comissões desta Casa, lembrado por quantos transformem o problema do menor na grande preocupação de todos os brasileiros. Fica a nossa homenagem a V. Exa., especialmente o carinho, a nossa estima, o nosso afeto, a nossa amizade por tudo que, ao longo desses últimos 8 anos, pudemos aprender do seu patriotismo, da sua dedicação, da sua vocação para a vida pública.
O SENHOR MANOEL DE ALMEIDA – Agradeço a V. Exa., o aparte, Deputado Paulino Cícero.
O Sr. Homero Santos – Permite-me V. Exa. um aparte?
O SENHOR MANOEL DE ALMEIDA – Com muita honra, nobre Deputado Homero Santos.
O Sr. Homero Santos – Ilustre Deputado Manoel de Almeida, ainda me recordo de quando, deputado estadual, desejoso de também fazer parte da bancada federal de Minas Gerais, consultava V. Exa. sobre a conveniência ou não da minha vinda para esta Casa. Lembro-me muito bem que V. Exa. me disse, naquela época que esta Casa era uma grande escola da vida pública. Hoje estou mais convencido do que nunca de que é realmente uma grande escola, porque aqui pude conhecer um grande professor, um grande mestre: Manoel de Almeida.
O SENHOR MANOEL DE ALMEIDA – Agradeço a V. Exa.
O Sr. Homero Santos – Nesta hora, V. Exa. não se está despedindo desta Casas, porque auqele que constrói o que V. Exa. construiu em benefício de Minas Gerais e do Brasil continuará marcando sua presença, com a sua inteligência, com o seu trabalho, em benefício do menor abandonado, daqueles homens das barrancas do São Francisco, daquela gente sofrida do Nordeste de Minas Gerais. Contou V. Exa. sempre, ao seu lado, com sua digníssima esposa, Da. Márcia, e sua família, que tanto honra a amizade que nos une. Ilustre Deputado Manoel de Almeida, quero continuar a ser aluno de V. Exa., que deu demonstração do que um homem é capaz de realizar me benefício do engrandecimento deste grande País e de nossa querida Minas Gerais.
O SENHOR MANOEL DE ALMEIDA – Muito obrigado a V. Exa. pelo aparte que tanto me comove.
Prossigo, Sr. Presidente.
Assim, chegamos ao penúltimo período legislativo, quando apresentei o Projeto de Lei no. 1.207/73, que resultou na Lei no. 6.218/75, a lei que inclui 22.000 km2 de terras mineiras de margem esquerda do São Francisco na área de operação da SUDENE. Por este projeto modifica-se a fisionomia geoeconômica dos Municípios de Januária, São Francisco e Manga. Os resultados disso pertencem ao futuro próximo.
Finalmente, a obra de maior significação em que tive a honra de participar – a CPI do Menor, a respeito da qual se justificam alguns breves considerações.
A CPI do Menor originou-se do requerimento do eminente Deputado Nelson Marquezan, de 29 de abril de 1975, com o apoio de grande número de signatários. Investigou, com rigor científico e realismo crítico, toda a complexa fenomenologia da marginalização social brasileira, abrangendo um conjunto de múltiplas variáveis inter-correlacionadas, com, entre outras, a composição e volume da população, as migrações internas, a urbanização, a capacidade aquisitiva, a precariedade das condições de vida de vastos setores demográficos em termos de subnutrição, doenças escolaridade, habitação, subemprego, desemprego, desagregação familiar, inoperância dos órgãos responsáveis, e assim por diante.
Depois de quase um ano de atividades permanentes, sob a lúcida presidência do nobre Deputado Carlos Santos, logrou a CPI do Menor encerrar com pleno êxito os seus trabalhos no dia 1ª. de abril de 1976.
Em seguida, ocorreu o encaminhamento ao Chefe de Poder Executivo da União do documento conclusivo dos trabalhos, intitulado “A Realidade Brasileira do Menor”, autêntica radiografia de uma situação transformada, nestes últimos anos, em calamidade nacional.
Trata-se indiscutivelmente, de uma decisiva contribuição do Poder Legislativo, em condições de capacitar o Governo Federal a enfrentar o desafio e tomar as decisões básicas exigidas pela situação.
Coube-se a insigne honra de ser escolhido relator dessa comissão, cujo trabalho ver, mercê de Deus, conscientizando e despertando as forças vivas da sociedade, ensejando condições favoráveis a uma ampla mobilização nacional contra as catastróficas conseqüências da marginalização social das famílias pobres, dos menores e das crianças de nossa Pátria.
Conforme tem sido amplamente reconhecido, “ A Realidade Brasileira do Menor” preconiza em suas conclusões projetos e recomendações devidamente apoiadas em pesquisas e estatísticas fidedignas, uma verdadeira resolução, tanto na órbita governamental como na esfera da participação comunitária e do empresariado, em geral, a fim de evitar que 25 milhões de menores carentes, dos quais cerca de 2 milhões considerados tecnicamente abandonados, já nas fronteiras ou mesmo presa da delinqüência e da criminalidade, possam levar ao colapso a segurança social do País, obstaculiza e inviabilizar o desenvolvimento nacional, além de gerar intoleráveis tensões psicossociais e envergonhar o Brasil perante o mundo civilizado. Verifica-se, por conseguinte, que o Congresso Nacional já cumpriu o seu dever e fez o que lhe competia fazer ao encaminhar ao Sr. Presidente da República, nos termos da Resolução no. 21, de 23 de junho de 1976, as conclusões e a recomendação especial do CPI do Menor – através do documento, elaborado com a máxima seriedade e espírito prático, no qual se contêm além dos diagnósticos definitivos, as proposições concretas, os programas, projetos e providencias objetivas que a Nação vem exigindo.
Diante desses ameaçadores problemas não mais se justificam planejamentos redundantes ou medidas procrastinadoras.
Urge dar imediata execução às providências, exaustivamente estudadas pelo Poder Legislativo no decisivo documento, já encaminhado às autoridade às autoridades responsáveis.
Qualquer protelação teria, na realidade, o sentido de uma sabotagem – porque não dizê-lo? – contra o povo e o Congresso Nacional. Sabotagem insidiosamente levada a efeito pela tecno-burocracia interessada na manutenção do status quo dessa área da administração pública.
Sr. Presidente, Srs., Deputados, o povo brasileiro já está habituado – entre perplexo e traumatizado – a acompanhar, através dos jornais, radio-emissoras, estações de TV e revistas, a sucessão de tragédias consubstanciadas nas reportagens, estudos, notícias e filmes relativos à terrível situação em que se encontram a infância e a juventude desassistidas, cujo problemas se agravam exponencialmente, adquirindo proporções explosivas, com se depreende dos indicadores estatísticos que evidenciam estarem as nossas regiões metropolitanas e principais aglomerações urbanas demograficamente saturadas, ecologicamente poluídas e socialmente deterioradas.
A análise imparcial dos indicadores estatísticos da nossa conjuntura sócio-econômica, dominada pela marginalização de vastos segmentos da população, evidencia a sua periculosidade imanente, notadamente no referente aos índices de violência e criminalidade.
O Sr. Jairo Magalhães – Nobre Deputado Manoel de Almeida, pretende V. Exa. pelo que vejo, reunir, na despedida que faz, os esforços desdendidos, os obstáculos vencidos, os êxitos afinal, de um período longo e sua existência. Estou convencido de que não o conseguirá, dada a exigüidade do tempo e, sobretudo, a intensidade da obra que deixa á posteridade. Eu, que de há muito tempo observo o trabalho de V. Exa., posso hoje, dar o testemunho de que em instante algum o vi descer da tribuna de defesa dos altos interesses nacionais, especialmente atento e sensível ao grande e preocupante problema do menor. Sem dúvida, tem sido empolgante o trabalho de V. Exa. Estou convencido por outro lado, de que tantas foram as lições, tantos e tão edificantes foram os exemplos de V. Exa. nesta Casa, que teremos nós outros, na perseguição desses mesmos exemplos e dessas mesmas lições, de contribuir de algum modo para a concretização das inspiradas pretensões de V. Exa. na busca do equacionamento desses mesmos problemas. Estão de parabéns Minas e o Brasil pelo Parlamentar que passou por esta Casa com intensidade de propósitos e de trabalho, e congratulo-me comigo mesmo pelo privilégio de ter sido colega de V. Exa.
O SENHOR MANOEL DE ALMEIDA – Muito obrigado pelo honroso aparte. A própria imagem do Brasil perante as nações do mundo civilizado encontra-se lamentavelmente deformada e aviltada, a ponto de ser objeto das opiniões deprimentes e constrangedoras dos que nos julgam condenados ao pauperismo irremediável, como um País frustrado, envolvido na zona de sombra do subdesenvolvimento crônico, em face da existência, no seu vasto território, de milhões de párias que apodrecem em condições infra-humanas de existência.
Em síntese, generaliza-se a convicção de que somos um projeto inviável de nação, apesar de suas imensas e reconhecidas potencialidades – um País cujas elites governamentais não foram capazes de transformá-lo naquela potência que já devia ser neste crepúsculo do século XX.
O Brasil não se conforma, todavia, com a incompetência, a alienação e a insensibilidade do complexo tecnocrático que permanece estagnado diante desses problemas – todos já equacionados, diagnosticados e divulgados pela CPI do Menor, no bojo do seu relatório conclusivo.
Refiro-me, Sr. Presidente, especificamente aos baronatos, feudos e satrapias que constituem o emaranhado dos órgãos descoordenados e inoperantes, supostamente responsáveis pela assistência, bem-estar e a formação das crianças e menores do Brasil. Contudo, ainda mais nefastos, porquanto mais empavonados e insensíveis, são os responsáveis pelas decisões relativas à denominada Política Nacional do Menor, situados nos altos escalões governamentais, em áreas estratégicas da administração federal. Não compreendo como tais personagens possam dormir tranqüilos ou digerir suas rendosas sinecuras, mordomias e privilégios, enquanto vinte e cinco milhões de menores carentes estão se transformando, diante de nossos olhos, num perigoso exercito dos proscritos e marginais, destituídos de religião, sem qualquer profissão, subnutridos, doentes e cada vez mais ameaçadores - a terrível gangrena que progride no organismo nacional e ameaça a própria sobrevivência do Brasil como nação civilizada.
Nesse complexo de incúria, desídia e fracasso típico das entidades, órgãos e serviços responsáveis pelos destinos da infância e da juventude marginalizadas, encontram-se apé mesmo os Juizados de Menores – todos eles impotentes, sem recursos humanos e materiais, meras etapas interlocutoras, burocratizadas, que se limitam a encaminhar os menores às FEBENS ou a uma FUNABEM, por sua vê reconhecidamente sub-dimensionada e incompetente. Veja os fatos para julgamento dessa assertiva.
A esse respeito, tive a oportunidade de denunciar à Nação, desta mesma tribuna, em discurso publicado no Diário do Congresso Nacional, precisamente de 12 de dezembro de 1976, com documentos irresponsáveis, a calamidade nacional representada por esta constelação de órgãos inoperantes que iludem a opinião pública e ostentam uma fachada mistificadora – inclusive, muitas entidades particulares – e que, de vê em quanto, são objeto de denúncias e inquéritos pela desídia, precariedade de instalações e péssima qualidade de atendimento proporcionados aos que lhes são encaminhados pelos Juizados de Menores – repartições, via de regra,estagnadas, notoriamente omissas e policialescas.
Talvez por isso mesmo é que a crônica policial vem estarrecendo a opinião pública em todas as cidades importantes do país com o cotidiano relato em crimes pavorosos, praticados com requinte de perversidade, cujos atores são menores egressos da FUNABEM, como recentemente em casos ocorridos no Rio de Janeiro e São Paulo.
Aqui mesmo, no Distrito Federal, a cidade erigida sob as inspirações de uma profecia de Dom Bosco, espantosas atrocidades vem sendo cometidas, como por exemplo, a recente chacina na então pacata cidade-satélite do Gama – cujos autores foram ex-presidiários de 18 anos de idade.
Desnecessário se torna invocar, nesta oportunidade, números e indicadores, já exaustivamente analisados no Relatório da CPI do Menor. Não é mais possível regredir à inocuidade das soluções parciais isoladas e superficiais, características do status quo.
Convém, no entanto, relembrar que a progressiva marginalização de vastos segmentos de uma população global, então calculada em 108 milhões de habitantes – 60% dos quais concentrados em áreas urbanas, congestionadas e saturadas – ameaça tornar-se irreversível em face das taxas de incremento demográfico da ordem de 2,9 a 3,1% ao ano.
Ocorre ainda que 52,92% da população situa-se na faixa de 0 a 19 anos de idade, enquanto 2/3 da população assalariada – cerca de 18,5 milhões de trabalhadores – auferiam rendas inferiores a 1,5 salário mínimo, gravíssima insuficiência, classificada pelo relatório como matriz geradora do processo marginalizante.
Sem sombra de dúvida, não havia outra alternativa senão inovar com arrojo, como fez a recomendação-síntese, aprovada pela unanimidade da ARENA e MDB e submetida ao Sr. Presidente da República – a abordagem sistêmica que possibilitaria evoluir do empirismo dos paliativos superficiais e medidas inadequadas, tangenciadoras do problema, para o estágio superior de uma completa mobilização nacional, da mesma natureza de uma guerra, capaz de erradica o mal que ameaça a Pátria. “Ou então – afirma o Relatório da CPI do Menor – chegaremos ao ano 2000 na condição d uma potência frustrada, ingovernável, socialmente atrasada e internacionalmente desmoralizada, como gigante sul americano de pés de barro...”
A corajosa abordagem proposta está contida no elenco das providências integradas na mencionada recomendação-síntese a que se refere o Projeto Dom Bosco – vanguarda e instrumento do Sistema do Menor, com seus objetivos gerais, metas prioritárias, mecanismo executivo, setores escalonados de atuação e dimensionamento dos recursos necessários.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, é com justificada emoção que, depois de longa trajetória de initerrupta atuação política no âmbito do meu Estado, durante mais de 30 anos, dos quais 24 de sucessivos mandatos como Deputado, sendo 20 nesta Casa, assomo à magna tribuna do Congresso Nacional, não para uma despedida, porque a minha luta prosseguirá sem quartel em outras frentes de batalha, mas para, de cabeça erguida e consciência tranqüila, reafirmar a minha convicção inabalável no bom sucesso e pleno êxito dos objetivos visados.
Porque, sem falsa modéstia, sinto ter desempenhado, com patriotismo e dedicação aos superiores interesses do País, as difíceis missões que me foram confiadas pelo bravo e querido povo de Minas Gerais. A ele, portanto, à minha terra e a à minha gente a mais profunda gratidão. Aonde quer que o destino conduza, nesta nova caminhada que inicio com mesmo entusiasmo de outrora e a energia de sempre, permanecerei atento e fiel aos interesses e apelos, nos parâmetros do ideário que tem orientado todos os meus passos, desde a juventude interiorana até ao presente momento, quando retorno, por assim dizer às minhas origens e ao espaço onde se desenrola a existência do homem do povo. Sem levantar, nesta hora, quaisquer valores negativos, com a mente lúcida, em condições de entender minha Pátria e o meu povo, regresso às duras pelejas do cotidiano, perenemente engajado no bom combate contra o pauperismo das massas rurais, no desenvolvimento do interior, a melhoria das condições de vida do povo e, sobretudo, na erradicação das causas e efeitos dessa trágica marginalização dos menores, crianças e famílias carentes e desassistidas de nosso País, que são os milhões de seres humanos despojados, por vezes até mesmo, da esperança de sobreviver. Desejo igualmente, apresentar, aos meus bravos e diletos colegas, companheiros de tantas lutas e debates do plenário – muitas vezes sacudidos pela veemência retórica e conflitos dos antagonismos políticos, como nas geralmente tranqüilas, mas altamente produtivas atividades das Comissões Técnicas – as mais efusivas manifestações do meu apreço, compreensão e profundo respeito.
Porque, na verdade, carregam – tanto Deputados antigos que prosseguem, nesta Casa, como os colegas recém-advindos – tremendas responsabilidades enfrentando praticamente idênticos desafios.
Que a Providencia Divina nos proteja a todos igualmente, a fim de que possamos desempenhar a nossa missão com dignidade, eficiência e honradez.
Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente. (Palmas, O orador é cumprimentado.)

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