quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

1978 - O CAFÉ E A ECONOMIA NACIONAL

CÂMARA DOS DEPUTADOS
MANOEL DE ALMEIDA
DEPUTADO FEDERAL

O CAFÉ E A ECONOMIA NACIONAL
BRASÍLIA – 1978

Sr. Presidente, Srs. Deputados a história da economia nacional se escreve com a agricultura – raiz e seiva – a implementar o sistema de sustentação que possibilitou o alvorecer da indústria, no final do século dezenove. Contar essa história é repetir o que é elementar os compêndios da história econômica e social do País, constituindo-se em matéria ao alcance de todos.
Não é de mais lembrar, no entanto, que a indústria e o comércio são como que frutos da agricultura, e nela se embasam e, ainda hoje, se nutrem. Não é excessivo repetir, por outro lado, que a mais antiga das atividades econômicas está sempre a vivificar a lenda do pelicano, que alimenta a prole com o próprio organismo.
É evidente que tal sacrifício não episódico, mas contínuo e persistente, poderá nas próximas décadas concluir por afetar profundamente esse organismo, a ponto de levá-lo ao extermínio. Esta é, seguramente, a situação em que se encontra a agricultura brasileira.
O Brasil vive, sem dúvida, momento de contagiante pessimismo, diante do quadro de gravidade em que se encontram as atividades primárias. Não podemos esconder a dura realidade de que todos participamos, políticos ou agricultores, os brasileiros em geral, sofrendo direta ou indiretamente as conseqüências do fenômeno.
Assinale-se, entre os fatores a concorrer para esse quadro: o aumento considerável dos custos pertinentes aos tratos culturais, notadamente a mão-de-obra e, muito especialmente, os insumos básicos, entre estes os fertilizantes que vem, após freqüentes majorações de preços, situando-se amplamente acima da viabilidade financeira da atividade agrícola. E, mais ainda, a circunstância de que esses fertilizantes, subsidiados em 40% pelo Governo, deixaram de o ser, em momento de crise, para o café.
Agravando esse clima, tem-me a estagnação comercial do principal produto agrícola, com reflexos em todos os setores considerada sua importância na composição da pauta de exportações, no volume de emprego gerado pela atividade cafeeira, além das implicações diretas e indiretas na estrutura industrial e de serviços derivados da cafeicultura.
Não é destituído de sentido afirmar tratar-se o café, por excelência, de uma das culturas agrícolas de mais acentuado “caráter social”, à medida que se reconhece apresentar coeficientes de absorção de mão de obra ( seja por hectare ou por estabelecimento ) os mais expressivos.
O testemunho disso nós temos de forma contundente em nosso sentimento de solidariedade, quando vemos o êxodo desordenado do Paraná para os Estados de São Paulo e Minas Gerais , de milhares de famílias de desempregados pelo colapso da cafeicultura no Estado irmão, face à agressão da geada ou da estiagem constatada de maneira mais recente.
Assistimos de perto, no sul de Minas, aos reflexos da imprevidência dos altos bastidores, a quem caberia a normativa para as medidas profiláticas, por ocasião da chegada dessas pobres famílias, arrancadas violentamente de suas moradias, pela fome, pela ausência de trabalho remunerado ou de assistência de qualquer natureza.
O plantio da soja e outras atividades culturais que conjunturalmente tem compensado o motivo do café, do ponto de vista de oferta de empregos, não possuem uma estatura capaz de realocar toda aquela população. Esse contingente adicional aportou à região, inicialmente, em boa hora, coincidindo com a safra extraordinariamente farta do ano passado, inclusive no momento em que a mão de obra escassa no sul de Minas era, seguramente, o mais sério problema.
Todavia, tudo isso foi apenas um episódio. Enquanto uma região se beneficiava comas “vacas gordas”, a outra sofria os efeitos das “vacas magras”.
Como resultado de fatores climáticos adversos ou fundado a imprevidência, tem o café sempre apresentado distorções de quantum produzido e de preços que como salto final, tem resultado na elevação constante dos preços para consumidor afastando-se, dia a dia, o produto da mesa do brasileiro médio, e sem que estes preços venham efetivamente a remunerar o esforço do produtor.
Tudo isso nos leva a preconizar que o zoneamento em regiões ecologicamente apropriadas – catilinária lida por todos os entendidos e que já produziu cansaço em nossos ouvidos – é a medida imperiosa, é o procedimento racional, é o dever de ação conjunta do Ministério da Agricultura e do Instituto Brasileiro do Café. A matéria deve ser encarada em termos de Brasil e não de prejudiciais ufanismos regionalistas, que resultam sempre em graves conseqüências para as nossas escassas disponibilidades de financiamento ou na necessidade de contornar expost os “acidentes” ( ou não seriam determinismos? )atribuídos à ecologia adversa.
Vivemos o limiar do terceiro milênio, quando grande parte dos fenômenos podem ser previstos e controlados.
Ontem era o êxodo do Nordeste, causado pela natureza do clima desigual e restritivo. Para minimizar os efeitos do fenômeno criou-se a SUDENE que vem, com seus esforços fornecendo alguns saldos positivos. Hoje são as geadas do Paraná ou a estiagem no Sul, responsáveis por prejuízos de toda sorte, e, especialmente, pelo sofrimento de seres humanos, sofrimento este que precisa ser aquilatado de maneira mais próxima, para que se entenda como são irresponsáveis, as vezes, certas orientações administrativas, pelos males que determinam para vastos segmentos de nossa população. Onde se encontram as ciências, a logística, a capacidade de prever e planejar dos nossos técnicos?
Solução meridiana e de simples decisão conduzida pelo bom senso vem a ser a divisão do País em zonas ecológicas pré-definidas segundo o potencial real, segundo a efetiva margem de segurança para cultivos adaptados, ou a existência de vantagens comparativas, evidentes, relacionadas à produção regional ou zonal programada. Teríamos uma agricultura ditada pela razão, bem estruturada e protegida em larga margem das intempéries e outros fatores negativos, entre estes os gastos não recuperáveis em imobilizações de recursos financeiros, nas medidas de prorrogações de prazos, manutenção de preços e outras da mesma ordem, que significam sempre prejuízos à Nação.
Urge, pois, corajosa decisão dos órgãos responsáveis do Governo!
Paralelamente, precisamos adotar uma política mais realista, uniforme e efetiva de preços mínimos dos produtos agrícolas garantidos pelo Governo. Esta política, convenhamos, já existe. Todavia, ninguém, em plena consciência, pode nela confiar. Que sirva de exemplo o recente episódio do milho e, mais recente ainda, o da cebola. Ambos os casos dispensam maior análise e adjetivação, conhecidos que são, em seus efeitos, em todas as camadas sociais.
Sem pretender nos transformarmos em árbitros dessa política econômica setorial, parece-nos óbvio que os agentes do Governo, com atuação nessa área, deviam, mercê da longa vivência, haurida na repetição dos fatos, adotar uma conduta e um critério que seriam o inverso do slogan amplamente divulgado nas propagandas à custa do erário: “plante que o governo garante” – por outra norma, esta orientada na própria experiência do agricultor e resposta à primeira: “ garanta, que nós plantamos.”
No café, entretanto, se configura o maior drama. Voltando os olhos ao passado, veremos que já mais de cento e cinqüenta anos, nas Minas Gerais, a rubiácea negra começava a ocupar o lugar das lavras auríferas exauridas e, daí, para cá, lá e em outros Estados, tem sido o café responsável por toda a combustão que tem gerado energia para a construção da economia do País. No alvorecer deste século, o fato mais se acentua, e a partir a década de vinte, a incipiente indústria nacional passa a ganhar certo relevo, quase que exclusivamente estipendiada pelo café. A nossa história econômica, repitamos, é a história do café a transferir rendas para as demais atividades, sem participar, ao final dos resultados líquidos de geração de renda que aquela atividade tornou possível.
Não negamos, sensíveis progressos técnicos foram assinalados, ultimamente, nos novos plantios. Entretanto, ainda andamos a reboque das conquistas das ciências, sendo apenas marginalmente implementadas novas técnicas que contribuem para aumentar a produtividade dos cultivos.
Não obstante, em menor escala, esse retorno (feed-back) das outras atividades produtivas e do próprio conhecimento técnico nem de perto se compara com a intensidade de drenagem que se observa no sentido assinalado: da agricultura para as demais atividades.
E as eventuais vantagens de interação inter-setorial se anulam face à comercialização do produto, a fase de operação que mais de perto interessa à Nação. Poucos sabem que continuamos vendedores residuais, ou seja, vendemos o nosso café depois que outros países concorrentes já liberaram os seus estoques disponíveis.
Se considerarmos que e época não muito distantes – quando o quadro estatístico nos era favorável quanto ao consumo mundial - possuindo o IBC estoque bastante elevado e contando-se com a presença de homens ajustados ao encargo, determinou-se o desafogo dos nossos depósitos.
A referência traz-nos à memória a figura exemplar de Renato Costa Lima, excelente homem de empresa, conhecedor emérito da cafeicultura no País e que jamais desprezou ou subestimou aquele que cultiva ou negocia com o produto.
Vejamos o contraste: atualmente com um quadro estatístico favorável, dada a escassez do produto no plano mundial, não possuindo o IBC praticamente estoque assinalável, não conseguimos vender o café da safra passada, já diante da nova safra, com deprimentes conseqüências sócio-econômicas esperadas nas regiões produtoras.
Há crise pela paralisação nas fontes do produto e pela falta de recursos para os tratos culturais, mesmo entre os mais bem dotados de meios financeiros, os bons administradores ou os de economia estável.
E o que mais entristece é vermos que o nosso consumo interno manifesta, também, sintoma de declínio, fato, aliás, óbvio, mesmo quando compararmos as necessidades internas de ontem e as de hoje, levando em conta o fator de crescimento demográfico. É que o crescimento da população é mais intenso que o do número de pessoas que anualmente ingressa no mercado com poder aquisitivo real mínimo para exercer o consumo do produto, dentro do nosso modelo concentrador de rendas. Os preços internos do café tornaram seu consumo proibitivo para amplas faixas da população. Por outro lado, cinqüenta e dois por cento de nossa população é jovem: não seria o caso de subsidiar o café, para a merenda escolar e para as classes menos favorecidas, pelo menos?
Ocorre, porém, o contrário do subsídio. Temos o confisco, termo de acepção estranha, pois significa punição. É assim o café, além dos obstáculos antepostos ao longo do seu ciclo, do plantio à venda, um produto punido, um gênero que sofre as penas da lei, sem que tenha ferido o erário. Pelo contrário, sendo a agricultura o nosso principal artigo de mercado, é ainda hoje responsável por parcela considerável de nossa capacidade de atração de divisas. Os produtos industriais, ao contrário desse tratamento, recebem toda sorte de incentivos para a sua expansão.
Ouço o nobre Deputado José Mandelli
O Sr. José Mandelli – Nobre Deputado Manoel de Almeida, ilustre representante da bancada de Minas Gerais, estamos ouvindo seu substancioso discurso, em que focaliza os problemas agrícolas deste País, notadamente o café. Infelizmente – não é de agora – a política cafeeira tem sofrido sérias distorções, desde a escolha das áreas para o seu cultivo, como no caso do Paraná. As culturas, à medida que se espraiavam para o Sul, como um castigo e foram sendo dizimadas pelas geadas cíclicas. Nos anos de 1965/1966, nos armazéns do Instituto Brasileiro do Café, estavam estocadas cerca de 69 milhões de sacas. A política d então Ministro Roberto Campos era o sentido de estimular a erradicação do café. O Estado de V. Exa. sofreu enormemente com essa medida agressiva,em que o IBC pagava quatro cruzeiros por pé de café erradicado. Na ocasião, como membro de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, tive a oportunidade de percorrer todo o nosso território, investigando a ação do IBRA e do INDA em várias regiões. Na Serra do Baturité, assistimos a erradicação de café fino, cuja qualidade, em nada ficava a dever ao café colombiano. Cumpre observar que a fazenda em questão dispunha de formidável infra-estrutura, pátios imensos, descaroçadores etc. E, infelizmente, o café foi erradicado e malbaratado. Poderia ser plantado no Ceará, para o consumo daquela região. Hoje as autoridades governamentais estimulam vigorosamente o plantio do café. Mas não sei se estão considerando a ecologia, se a terra em que ele será cultivado, é apropriada para essa cultura, que é permanente – leva dois, três anos para produzir os primeiros frutos e mais de 100 anos para desgastar-se. Temos de zelar por essa nossa riqueza, que tanto contribuiu para o desbravamento do Estado de São Paulo, possibilitando-lhe elevado estágio de industrialização, atingida por intermédio do colono, do cafeicultor, que desbravou os nossos sertões. Felicito V. Exa. pelo importante tema que nos traz nessa triste tarde, quando poucos parlamentares se acham presentes no plenário.
O SENHOR MANOEL DE ALMEIDA – Agradeço a V. Exa. o brilhante e oportuno aparte, que revela o homem do Sul, sempre sensível às coisas do País, Deputado pelo Brasil que é. Constatamos realmente essa contradição e essa desorganização: ontem erradicava-se o café para ganhar dinheiro; hoje, planta-se, também para ganhar dinheiro, mas sem a preocupação do zoneamento ecológico a que se refere V. Exa., o que salvaria nossa economia. O Governo gasta excessivamente neste setor, prorrogando as contas, deixando muita coisa a fundo perdido, para poder salvar essa economia nobre, que contribui ainda com mais de 30% para as nossas divisas.
Prossigo, Sr. Presidente.
Seria muito interessante que o Presidente Geisel chamasse a si, às vezes , a tarefa de conhecer pessoalmente certos problemas nacionais, não deixando esse encargo, como no caso do café, exclusivamente ao respectivos titular do instituo que se faz blaguer ao ouvir as aspirações dos cafeicultores de São Paulo e do Sul de Minas, quando manifestam intenção de trocar idéias com o Chefe da Nação sobre a problemática respectiva. Seria, acredito, de grande proveito um encontro dessa natureza.
Entre outras coisas, S. Exa. ficaria sabendo, em verdade singela, que a maior reivindicação do produtor não é por certo o credito per se, mas o preço justo e certo, divulgado com a necessária antecedência, a fim de que se haja tempo e condições de, baseado nos valores disponíveis, estruturar a distribuição de tarefas, realizar o fluxograma de produção. O agricultor quer, às vezes, o crédito, mas acalenta muito mais a esperança de obter compreensão em sua luta, em sua vida.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, lembremos, para terminar, que não foi irrelevante o aumento ocorrido no Imposto de Renda do agricultor. Foi triplicado: de 5% passou a 15%; mesmo com a correção, para menos, imposta pelo Governo, a taxa é ainda de 15%.
Nesta ordem de pensamentos, vale lembrar Benjamin Franklin quando sentenciou: “Se as cidades forem destruídas e os campos preservados, as cidades ressurgirão, mas, se os campos forem abandonados, as cidades sucumbirão”.
Tenho dito, Sr. Presidente. (Palmas)

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