terça-feira, 20 de dezembro de 2011

1948

MAJOR MANOEL JOSÉ DE ALMEIDA
SEMANA DE ESTUDOS DO CENTRO DE CRIMINOLOGIA DE SÃO PAULO E OUTROS ASSUNTOS POLICIAIS
1948
O Centro de Criminologia da Escola de Polícia de São Paulo fez realizar de 18 a 23 de Outubro último, uma de suas já tradicionais semanas de estudos policiais.
Convidado especialmente para o referido certame o nosso Comandante Geral delegou-nos poderes de representá-lo, honrosa incumbência de que tivemos ensejo de prestar conta verbalmente ao regressarmos da Paulicéia.
Ouvindo o nosso relato, V. Excia. Determinou transformasse em palestra para ser lida neste D.I., com as observações que tivemos ocasião de realizar durante os dias de permanência na Capital Paulista, sendo este o motivo por que, neste momento, procuramos prender a vossa atenção.
Devemos antes esclarecer que não detivemos naqueles dias apenas ao programa Semana de Estudos Policiais, mas procuramos ver tudo que se relacionasse com os complexos problemas da ordem e segurança públicas, possibilitando-nos, assim, algumas apreciações do caráter geral em torno da organização administrativa de São Paulo, nesse importante setor.
Dividiremos a nossa conversa em três partes principais: POLÍCIA CIVIL, FORÇA PÚBLICA E SEMANA DE ESTUDOS POLICIAIS, fazendo de uma vez por outra incidência dos assuntos relativos a esses títulos com outros também de interesse social, sem, no entanto produzir relatório detalhado em qualquer desses sectores.

POLÍCIA CIVIL

A Polícia Civil de São Paulo é superintendida pela Secretaria de Segurança, que controla todas as atividades administrativas, científicas e técnicas, distribuídas em seus diferentes departamentos.
Magnífica impressão nos causou o Serviço de Antropologia Criminal, ao qual fomos introduzidos pela gentileza do Dr. Oscar R. de Godoy, emérito psiquiatra, que relevantes serviços vem prestando à policia científica em seu Estado. Os delegados recorrem a esse serviço para elucidar os casos em que se verificar a hipótese de qualquer perturbação mental por parte da vítima ou do acusado, bem assim, para fins dos já conhecidos “testes” de sinceridade. Vimos o prontuário relativo ao célebre crime do restaurante chinês, e que os referidos “tests” constituíram elemento decisivo na elucidação dos fatos; vimos ainda o trabalho realizado para esclarecer o rumoroso caso, em que se encontra Mirian Bandeira de Melo, autora do assassínio de seu esposo. O exame na referida senhora deixa transparecer positivos indícios de intensa preocupação de ordem sexual, preocupações estas não relativas ao esposo. A palavra “chave” (neutra), o nome “Moacir” do esposo (estímulo), provocam na paciente, fortes reações. Da mesma natureza que foram os “tests” do espertalhão Carmino Mirabeli, que se dizia inspirado, etc.
Parece oportuno lembrar que foi o Escotismo em Minas uma das primeiras entidades a aplicar o “test” de sinceridade em nosso país. Foi em 1.943 e os arquivos da Federação Mineira de Escoteiros guardam o testemunho dessa afirmativa. Desconhecia-se a chave dos “tests” procedentes dos Estados Unidos; por isso, foi necessário arquitetar uma fórmula para a sua utilização na seleção dos candidatos ao Curso de Chefes de Escoteiros, levado a efeito na época.
Realiza ainda o Serviço de Antropologia outros tipos de exames, dentre os quais foi-nos dado conhecer a aplicação da prova de hipernea, para a determinação da epilepsia, a qual consta do Manual de Psicoterapia de Mira y Lopes. Consiste em colocar o paciente sobre u’a mesa, decúbito dorsal, fazendo-o respirar a comando (1,2), num ritmo correspondente a 20 movimentos por minuto, durante 30 minutos. Se o examinado for portador da moléstia, antes que se escoe o tempo previsto a terá manifestado. O caso examinado foi o de um indivíduo que se encontrou alta hora da noite com uma doméstica, combinado com esta uma aventura amorosa. Caminhavam juntos, talvez à procura de uma pousada, quando ocorre certa divergência entre ambos, sendo então a mulher assassinada com 12 terríveis facadas. Feita a prova de hipernea, ficou perfeitamente constatada a moléstia, inclusive as particulares do caso, pois o paciente em crise ofereceu completo ensejo para o exame pormenorizado da forma patológica em espécie.
Dr. Oscar R. de Godoy mostrou-nos também o seu arquivo de ficha morfológicas, onde estão anotados os portadores das diferentes taras morais e sexuais. Chamou-nos a atenção um caso embriológico – dois gêmeos univitelinos – dos qual um é um indivíduo honesto e o outro, seu autêntico sósia, homem de vida irregular, andando em constante luta com a polícia.
Um fato doloroso para o nosso Estado, ocorrido recentemente, e que privou Minas e o Brasil de um e seus mais expressivos homens públicos, reavivou-nos a memória a respeito do que viemos em um fichário, do Serviço de Antropologia. Destina-se esse fichário ao registro das pessoas colocadas em serviços domésticos nas residências particulares. Uma carteira é fornecida e da qual constam outros dados, os antecedentes criminais (se houver), estado de sanidade, etc. Em São Paulo recebe pessoas duvidosas em suas residências que se quiser dar ao gosto de aventurosas experiências, pois os poderes públicos estão aparelhados para um perfeito serviço de averiguação, existindo no momento 12 médicos para esse fim.
O roteiro do nosso relatório percorre depois o itinerário de São Paulo - Santos, seguindo pela Via Anchieta, “Caminho do Padre José”, hoje notável rodovia que rivaliza com as melhores do mundo, já pela técnica do serviço de engenharia e sua amplitude, já pelo que significa econômica e socialmente para o Estado e a Nação. È a estrada por onde São Paulo recebe grande parte das suas utilidades e por intermédio da qual negocia os seus produtos com o estrangeiro. Na feliz expressão do Eng. Paulo Dutra: - “O cordão umbilical da grandeza de São Paulo e do Brasil, por onde hão de circular por todo o tempo as correntes de energia trocada com o resto do mundo.” O aspecto orográfico da descida da Serra do Mar, que se debruça como imensa e íngreme sacada de 800 ms. De altitude sobre o oceano, proporciona uma visão miraculosa do porto de Santos, todo retalhado de ilhas e artisticamente rendilhado por canais.
Por essa estrada extraordinária passam mensalmente mais de 70.000 carros, como comprova a arrecadação da Taxa de Pedágio que nos mês de Fevereiro rendeu para o Estado a notável soma de Cr$1.091.285,00, importância esta que será aplicada na construção de outras rodovias para o Estado. Essa arrecadação deixará de ser feita quando estiverem indenizadas as despesas da via Anchieta.
Com essa digressão visamos apenas mostrar-vos o sentido social dessa estrada, fator extraordinário de progresso nacional e também, em traços largos, dar uma ideia de como surgiu mais uma polícia.
O trânsito intenso da Via Anchieta obrigou o D.E.R. a cuidar do seu policiamento. O serviço anterior, feito pela superintendência de trânsito da Capital Paulista, não satisfazia cabalmente. E assim se criou a Polícia Rodoviária, que exerce severa fiscalização, procurando diminuir as causas de lamentáveis e constantes desastres. A Polícia Rodoviária vem agindo eficientemente e o rigor com que trata os infratores encontra perfeita compreensão e justificativa na considerável baixa de óbitos e ferimentos graves ali verificados.
Convém citar apenas para uma ligeira ideia da responsabilidade daquela organização, o seguinte: Só no mês de Março o total de infrações de transito atingiu 383 casos. Nesse mesmo período os desastres mais ou menos graves, muitos deles fatais, foram apenas em número de 18, percentagem visivelmente baixa, levando-se em conta o número de carros que por ali transitaram as infrações praticadas e, principalmente, as magníficas condições da estrada que constituem sugestão constante ao uso da excessiva velocidade.
Em Santos, o nosso primeiro contato foi com a Delegacia de Ordem Política e Social, na pessoa do Dr. Elpídeo Reale, autoridade a quem coube a dita de descobrir toda uma extensa rede de espionagem que tinha por sede o Rio de Janeiro e controlava as atividades de interesse da gestapo em todos os países da América, inclusive EEUU. Tratava-se da famosa organização, dirigida pelo Dr. Niels Cristian Cristiansen, a segunda da mesma natureza em nosso país, sem que uma e outra tivessem reciproco conhecimento das respectivas atividades. A descoberta da segunda rede constituía ponta de meada para o esclarecimento da ação da primeira, o que veio aliviar as Nações Unidas de terríveis prejuízos de ordem material. Dr. Reale com u’a modéstia que mais realça o seu serviço à causa pública, depois de pormenorizado relato das diligências que presidiu naquele setor, procurou sintetizar como se seguem as razões que predominaram ao ponto de transformar um orgulhoso chefe de espionagem internacional nazista em seu obediente colaborador: a profunda paixão pela mulher com quem vivia, cuja promessa de casamento lhe foi feita ao correr dos longos interrogatórios de um mês seguido; a sua falta de convicção no ideal concebido pela nova Ordem de Hitler (Dr. Cristiansen era engenheiro e desejava vir para o Brasil e ser fez espião para aplainar seu objetivo) e, finalmente, o instinto de conservação, pois sabia que se fosse solto a Gestapo não o perdoaria, desde que para aquela organização cometera falta imperdoável, qual a de se deixar prender, ele, um chefe internacional, antes que houvesse destruído o farto material probatório das atividades secretas da Nação Alemã. Ao Dr. Elípio Reale deveu as Nações Unidas esse inestimável trabalho.
Passemos agora, em rápido exame, através da organização que superintende a Polícia Marítima do Estado. Trata-se da Inspetoria de Polícia Marítima e Aérea, reorganizada em 1.946, com atribuição em todos os portos e aeroportos do litoral do Estado, dirigido pelo Sr. Joaquim José da Cruz Secco, cuja dedicação naquelas funções é um exemplo vivo de brasilidade.
Tal reforma operou amplo e renovador movimento nos quadros, visando melhor aparelhar a importante repartição de modo a torná-la capaz de fazer face as suas vultosas responsabilidades.
Datava de longa data a assustadora reprodução de furtos e roubos nas zonas portuárias de todo o Brasil, para o que concorria certamente a conhecida ineficiência do sistema policial. Tal situação dia a dia se agravava, com desmoralizantes repercussões nas entidades de classes nacionais e estrangeiras. Em Santos, nosso maior porto, esse lamentável estado de cousas tomava colorações lastimáveis, justificando a afirmação geral de que ali era o lugar onde mais se roubava no mundo. Para ilustrar basta dizer o Instituto de Resseguros do Brasil pagou em 1.945 a astronômica soma de cerca de 40 milhões de cruzeiros ao comércio importador.
Não é nosso propósito fazer uma análise das causas primárias de tais crimes, todavia nos ocorre atribui-los não apenas a defeituosa formação moral de nossa gente, mas sobreleva também considerar a circunstância de serem os estivadores de Santos na sua maioria comunistas e, em consequência, ideologicamente contrários à defesa da propriedade nos moldes compreendidos nos regimes democráticos.
Em virtude dessas ocorrências criou-se em São Paulo a Delegacia Geral de Portos e Litoral, repartição que ficou compreendida na Inspetoria de Polícia Marítima e Aérea dos Portos do Estado.
No ano de 1.947, já postas em prática as providencias acima referidas, verificou-se que o desvio de mercadora foi insignificante, pois estava saneada a zona portuária e em caminho de inteira reabilitação o nome do Brasil no comércio exterior.
A polícia marítima tem ainda a seu cargo o controle das comunicações internacionais, estando aparelhada para realizar qualquer intercepção de telefonemas ou carbogramas. Dispõe também de magnifica frota de lanchas munidas de rádios transreceptores, para serviço de policiamento do litoral.
Os policiais que dispõe são homens rigorosamente selecionados física e moralmente, os quais depois de cuidadoso período de aprendizado são postos no serviço em caráter experimental. São armados de revólveres, metralhadoras e de apetrechos destinados ao emprego de gases, para os casos de arruaças e greves.
Estas – as greves – constituem problema dos mais sérios, pois não é possível dispensar o serviço daquela gente mediante o emprego de voluntários. Verificou-se uma experiência nesse sentido quando da última greve ali levada a efeito. O elemento humano utilizado para quebrá-la foram os próprios policiais marítimos e soldados do Corpo de Bombeiros. Os resultados não foram compensadores, pois além do estrago das mercadorias, esses abnegados homens passaram horas de sofrimento no desempenho de brutais tarefas para as quais não foram antes convenientemente exercitados. Certamente não é ousa tão simples substituir-se de um momento para outro quase 4.000 indivíduos adestrados em serviço cuja natureza não possibilita a existência de ponderáveis reservas.
A visão da complexidade e dificuldades do problema nos foi dada gentilmente conhecer pelo Sr. Joaquim José Secco, através de uma visita a um grande transatlântico inglês que desembarcava e embarcava passageiros e mercadorias e também no giro que fizemos pela baía de Santos, em lancha, em visita às docas, depósitos e outras instalações portuárias.

NA FORÇA PÚBLICA
Quando da nossa rápida passagem, no ano passado, pelo Estado Bandeirante, observamos que um programa de atividades policiais vinha de revolucionar profundamente a tradicional organização da Força Pública. Se considerarmos as históricas iniciativas da valorosa corporação co-irmã, dentre as quais se sobressai o contrato de u’a Missão Militar Francesa, ante que o próprio Exército o fizesse; se observarmos o entusiasmo com que os seus elementos se referem ao glorioso passado militar da instituição; se compulsarmos ainda hoje um programa de qualquer de seus cursos de formação profissional; finalmente, se examinarmos o nome da Escola onde são preparados os seus quadros – não teremos outro caminho senão o que nos leva a admitir a asserção acima estampada.
Como acontece, no momento, em todas as Corporações similares, observa-se que os oficiais paulistas também se dividem em duas grandes aulas que lutam pela hegemonia de seus pontos de vista em face das atribuições a que se consideram de preferência vinculados. Uns são militaristas; outros são pró-polícia. Aqueles cantam as glórias do passado e se batem ainda hoje, não obstante a ocorrência de variados fatores (que não interferiram na vida comunal dos dias, cujas loas carinhosamente cantam) pro um melhor preparo militar; pela reforma do armamento de guerra; pela manutenção dos efetivos, da organização nos justos moldes das necessidades bélicas. Estes, em campo oposto, e cada vez mais numeroso, tomando, por escudo o argumento de que o Brasil possui uma poderosa força militar (o Exercito) para a defesa de sua soberania, e ainda considerando: que as Polícias Militares, somos reservas que são do Exército, terão sempre o tempo necessário à recuperação dos seus conhecimentos militares na hipótese de serem chamados; que esse período de adestramento e adaptação que se impôs ao próprio Exército, antes de tomar parte na ultima guerra, é mais ainda imperativo no tocante às Polícias, eis que estas não dispõem, nem tem possibilidades de disporem de material adequado às exigências da guerra moderna; e observando também que o conceito de Força Armada, à medida que os dias passam e a ciência desenvolve os processos de destruição, mais se amplia abrangendo mesmo a totalidade dos cidadãos, mesmo das mulheres válidas; e mais – que todo elemento que ingressa na Força Pública passa inicialmente por um período de instrução militar, semelhante ao ministrado ao reservista do Exercito nos corpos da tropa, devendo estar para isso conveniente preparado os oficiais da Corporação, e, sendo ainda levados, pela amarga experiência de um passado muito remoto, à convicção de que melhor preparo bélico da instituição só serviu na ocasião do seu apogeu para aguçar as ambições dos políticos, jamais se tendo traduzido em qualquer beneficio de ordem social, para o povo do Estado, assim pensando aqueles que se batem pró-policia desejam que a corporação de uma vez por todas assuma o seu histórico papel legal de mantenedora da ordem e da tranquilidade públicas. Batem-se por que a Força Pública tenha organização adequada à função policial, devendo ser os batalhões distribuídos e divididos no interior do Estado e na Capital de conformidade com os estritos interesses da sociedade.
Isso é o que pensam os oficiais de uma e de outra ala. Quanto à administração, que nos pareceu, propende para o segundo posto de vista e não sugere outro pensamento às providências que vem tomando o Senhor Cel. Ferlich, desde o ano passado. Alinhamos algumas dessas iniciativas apenas para ilustra a nossa referência: 1) Visando melhor atender os serviços policiais de Capital que absorvem número de praças 4 ou 5 vezes maior do que entre nós, organizou o Serviço de Subsistência, com um restaurante central. Pretendem fornecer gêneros alimentícios também às famílias, segundo acontece aqui. 2) determina maior participação dos soldados no policiamento da zona urbana da Capital, assim distribuídos: a) na Rádio Patrulha, modelar Departamento da Polícia Civil, organizada pela Força Pública. A Rádio Patrulha é sem dúvida o mais eficiente processo de policiamento da Capital bandeirante. Com apenas 16 carros distribuídos por zonas, realiza serviço de que talvez não pudesse contar dois Btls. A velocidade, o armamento adequado e a força moral que decorre dos dois primeiros fatores, tornam esse serviço credor da maior gratidão da gente paulista, pelo tanto que contribui para a sua tranquilidade. E ali está muito bem representado a F. Pública: cerca de 50% dos carros são guarnecidos por seus homens, havendo um instinto e culto oficial – o 1º. Tem. Salgado – superintendendo os trabalhos na parte referente aos seus subordinados. A boa impressão que aqui registramos só a formulamos após ter passado uma noite em companhia desses valorosos rapazes, num de seus carros de trabalho esquadrinhando as ruas da vasta Capital; b) na patrulha de cavalaria, cujo pessoal e animais são conduzidos em grandes caminhões até a região em que terá lugar a ação. São geralmente lugares distantes, de difícil acesso para automóveis, e em que a cavalaria soluciona o problema de maneira convincente: c) no Serviço de Trânsito, no centro da cidade. Tivemos ensejo de nos demorar na observação do comportamento dos homens destinados a esse serviço e não podemos ocultar a admiração e simpatia que aquela atividade nos despertou. Dir-se-ia uma ressonância daquilo que estaria sentindo a boa sociedade paulistana. Moços, educados e de boa aparência, perfeitamente integrados a faina de servir o povo, orientando-o e protegendo-lhe a vida nas agitadíssimas ruas da “Manchester”. Nos pontos de maior movimento veem-se os soldados, um no centro com o apito, comandando um registro automático, dois outros; um em cada extremidade das ruas transversais, evitando que uma distração por parte do pedestre lhe seja fatal, roubando-lhe a vida à família. Queremos abrir aqui ligeiro parêntese para nos referir aos “Comandos de Trânsito” – que víamos em plena ação. Não pretendemos, todavia, dizer dos seus processos, nem mesmo dos seus objetivos, que, de passagem reputamos nobres. Induz-nos abordar o assunto apenas o desejo de focalizar a sua significação moral. Homens de destacada posição social, médicos, advogados, engenheiros, industriais, fazem-se voluntários para a batalha contra a contravenção. Defendendo um ideal altruístico, prestam também honrosa homenagem àqueles que normalmente se batem pela segurança do seu semelhante, seja na calada da noite, protegendo-lhe o lar, seja evitando a ocorrência de acidentes mediante a ordenação do trânsito. O cidadão ilustre coloca-se ao lado da policia, como seu auxiliar no papel de sua reserva, dando-lhe o seu apoio moral, atestando compreender lhe a alta e digna missão. Fechemos os parênteses. 3) Nova organização das unidades do interior, procurando ajustá-las às necessidades policiais da região, mediante um esquema que atenda também a necessidade militar. Em outros termos: a unidade do interior terá duas ou três subunidades de organização especificamente policial e uma ou duas de tipo militar. O recruta inicialmente terá instrução militar, recebendo em seguida o aprendizado policial. Caso demonstre aptidão para esse mister, passará a fazer parte das respectivas Cias.. Se cometer falta ou se mostrar inadaptável, voltará à Cia. Militar, para novo período de instrução e novas observações. O policial não responderá revista, pois não se admite sem a elementar noção de seus deveres, não sendo por outro lado razoável considerar a sua permanência em qualquer lugar e a qualquer hora como nociva à segurança e sossego públicos. Ser policial constitui um privilégio nessa organização.
SEMANA DE ESTUDOS POLICIAIS
Chegamos afinal à ultima parte de nossa palestra: as atividades da semana de estudos policiais. Não nos havendo sido possível conseguir as conferências ali pronunciadas, procuraremos neste ligeiro bosquejo em torno do assunto focalizar os pontoas mais debatidos, emitindo às vezes, o nosso ponto de vista pessoal, limitando-nos em outros casos à simples apresentação do assunto ventilado.
Instalados que foram os trabalhos, no edifício da Biblioteca Municipal, e após usarem da palavra o orador do Centro de Criminologia e o Diretor da escola, Dr. Franklin de Toledo Pizza, tivemos a oportunidade de ouvir a palavra fluente e cheia de convicção do Dr. Luiz Silva, eminente criminalista e professor de Odontologia Legal, que abordou o delicadíssimo tema “A Questão Sexual nos Presídios”. Faz longa análise da questão e insurge-se contra o ponto de vista religioso, cujo preconceito, segundo sua opinião, impede seja dada uma solução humana e prática ao doloroso problema. Afirma que as religiões, segundo as suas observações, jamais concorreram parra diminuir o índice criminal das nações, sendo mesmo de se notar, ao contrário disso, que a maior percentagem (relativa) de criminosos nas diferentes nações pertencem a seitas ali predominantes. Não entremos no mérito dessa arrojada conclusão e passemos à frente, ainda apresentando a tese defendida pelo ardoroso conferencista. Assevera a violência que vem de praticar a sociedade, que não se limita a privar o homem de sua liberdade, mas também o submete a um regime de verdadeira tortura fisiológica, estendendo ainda, o que é pior, a pena à mulher do criminoso, a qual se torna vítima de erros que jamais praticou. Prosseguindo, diz ser essa iníqua atitude dos poderes públicos a causa de um grande numero de prevaricação de mulheres de presos, pois estas, familiarizadas que estavam com o ato genésico, nem sempre tem forças para se manterem em tão demorada continência. Afirma estará em condições de resolver o sério problema, mas não oferece ao público qualquer plano ou orientação objetivando a tese. Como vemos, trata-se de uma questão de grande complexidade que vem desafiando os povos mais evoluídos em matéria de penitenciária.
Oferece colorações que se transformam conforme o prisma ideológico de que examina. Num país cujos costumes estão sedimentados no respaldo moral que deflui a Doutrina cristã, a orientação simplista do Prof. Luiz Silva certamente provocaria grandes reações. O professor por certo não se limitaria à solução desse problema, pois uma vitória ganha, logo o alertaria para novas pugnas nesse campo. E teríamos talvez uma nova tese propondo a solução do problema sexual da viúva, da moça solteira e talvez outros casos delicados que não convém citar. Esquece-se o ilustre conferencista de que mesmo o homem livre, desde que não seja casado, não temo seu problema sexual resolvido, posto que a prostituição será sempre uma chaga social. Perguntamos ao professor qual seria no caso do preso solteiro, ou do casado circunstancialmente impedido de ter ligações com a esposa, o papel do Estado? Oficializaria a prostituição e, além disso, se colocaria no ignóbil papel de intermediário? – O Professor aponta Minas como exemplo: diz que na Penitenciária de Neves o caso vem sendo resolvido, mas quer nos parecer tratar-se de um equívoco. Efetivamente o Dr. Floriano de Paula tem tido ensejo de resolver casos isolados de presos que trabalham em atividades agrícolas, todavia, mais de dois terços dos presidiários de Neves trabalham em atividades industriais. Não se pode proclamar como solução uma prática que atinge apensa a minoria, não se divisando por outro lado possibilidade do progressivo benefício à parte restante. Cap. Canepa, quando Diretor da Penitenciária Federal do Rio de Janeiro, facilitava os encontros numa espécie de cabine. Aí, os presos casados recebiam suas esposas. Para os solteiros eram arranjadas mulheres de vida livre, bem assim, para os casados, cuja esposa não residia no local. O fato dispensa maiores comentários, sendo apenas oportuno recordar que houve presos casados que se recusaram à pratica do ato sexual, mesmo em se tratando da própria esposa, sob o fundamento respeitável e nobre que preferia tudo a submeter a sua companheira da vida a uma tal humilhação.
O segundo dia dos estudos policiais foi assinalado, primeiramente, por uma palestra do acadêmico Jenner José de Araújo, um dos nossos representantes naquele estabelecimento de ensino. Versou o seu trabalho questão bem conhecida, o problema da mendicância - sendo muito aplaudido, conquanto em suas linhas gerais encerrassem algumas ideias que suscitaram razoáveis reparos.
A conferência do dia esteve a cargo do Professor Dr. Ulisses Doria, Juiz privativo da Vara de Menores, o qual discorreu longamente sobre o tema "Delinquência Juvenil". O trabalho vasado em linguagem erudita e plena de saber jurídico, não apresentou, todavia, novos rumos ao exame do delicado tema. Refere-se aos males sociais, à educação e parcos recursos da família, fatores responsáveis em linha direta pela delinquência juvenil, e não termina o seu alentado estudo sem que se refira à ação dos juízes ditos competentes, na sua quase totalidade assaz incompetente para os delicados misteres daquele importante setor da atividade criminal. São Paulo não obstante suas notáveis realizações no domínio da cultura, não fez grandes cousas nesse campo de interesse social. Notadamente no que diz respeito às organizações oficiais, ressalta-nos à visão mais superficial considerável desajustamento e incompreensível desorganização. O Instituto Modelo de Menores da Capital Paulista é abem um modelo materializado do que não se deve fazer. E foi talvez considerando isso que o Pe. Álvaro Negromonte ao se referir à questão teve esta curiosa opinião: "Em São Paulo, Rio e Pernambuco o problema ainda está muito distante de uma solução; em Minas, em todo o caso, aflora ainda alguma esperança, pois pouca cousa tem que se desmanchar...", "O D. Duarte é a melhor organização do Estado, sendo já conhecido até fora do país. Nem por isso, no entanto, deixa de apresentar graves defeitos de ordem pedagógica". Materialmente é um mimo, quase uma cidade dos sonhos. Espiritualmente, porém, podíamos aplicar-lhe uma frase do Dr. Miguel Reale referindo-se ao humanismo de Diógenes: "... ele serve aos fracos, mas não lhes abre a janela da alma".
Devemos, porém citar uma obra que se esboça bem, obra de profundidade e, portanto de efeito demorado. É a que realiza o Departamento da Criança, espalhando por todo o Estado, dezenas de postos de puericultura, sendo de notar a sua excelente organização, o perfeito emprego dos meios financeiros que o Estado lhes confere, o adestramento do pessoal empregado nessa meritória campanha de construção do homem de amanhã. Pena é que não alcance com a sua ação benfazeja o garoto triste dos reformatórios paulistas. Questão do menor, um ponto fraco no cenário humano e cultural de São Paulo, por isso, talvez, a falta de objetividade, a ausência de orientação básica no esmerado trabalho do iminente Juízo de Menores de grande terra bandeirante.
Nos trabalhos do dia 20 de outubro falou incialmente, o Ten. José Pereira da Silva, nosso companheiro, abordando o sugestivo tema: "MAIS VALE PREVENIR EDUCANDO, DO QUE REMEDIAR REPRIMINDO". Encontrou largo ensejo para uma autêntica e vigorosa apologia do alto sentido das atribuições do policial em bem da sociedade. Suas palavras foram muito aplaudidas. (Referência à atuação dos nossos representantes).
O conferencista do dia, Dr. Franchini Netto, um grande artista do verbo, e professor de Direito Internacional Público da Faculdade de Direito da Universidade do Brasil, abordou a questão "Os Agentes Secretos e à Diplomacia", tema interessante e bem explanado pelo autor. Iniciou o seu estudo com a história da espionagem nas relações humanas, localizando a primeira personagem do Paraíso - a serpente. Daí para frente, sempre escudado na história, aponta o decisivo papel da espionagem, nas ligações e choques entre os povos - egípcios, assírios, babilônios, gregos, romanos, cartagineses... Até a época de Maquiavel, grande apologista dos fins, ainda hoje tão pouco entendido por aqueles que se dizem seus discípulos. O genial florentino, com efeito, reunia em si ao mesmo tempo o consumado mestre da guerra, arte em que a espionagem tinha seu papel relevante, e também o de mestre dessa atividade tão pouco conhecida então - a diplomacia. Sua arte consistia no emprego habilidoso dos meios, que sabia utilizados também por seus adversários. Para não sucumbir visa os fins e não os meios, os primeiros justificando os segundos. Sigamos com ele: "O segredo das operações e a contra espionagem são vantagens que não se deve olvidar; podeis interrogar a muitas pessoas que partido deveis tomar; confiai a muito poucos amigos a decisão que houverdes tomado". Quando perguntou a Matellus, na Guerra da Espanha, o que ia fazer no dia seguinte, respondeu "Se a minha camisa soubesse disto, eu a queimaria nesse instante".
Napoleão é quem melhor utiliza os grandes ensinamentos de Maquiavel. A sua boa estrela lhe aponta Fouché, um grande achado. E a diplomacia, aos poucos se esboça, através das embaixadas e consulados, nas relações dos povos. Desempenha papel de relevo na cordialidade das raças, mas antes de tudo, aplaina as dificuldades da espionagem, que de certo modo mascara. Como observa o ilustre conferencista, a diplomacia alcança o seu auge nas antevésperas dos últimos grandes conflitos internacionais, quando através da espionagem que realizavam para os respectivos países, valiosos serviços prestou. Foi autêntico centro de espionagem. Não é difícil observar, todavia, que se verifica nos nossos dias um declínio no prestígio das embaixadas, talvez devido a incompleto desempenho de suas atribuições essenciais, pois além de não dispensarem a complementação de extensa rede de espionagem, as suas funções normais - as relativas ao comércio e às relações internacionais vêm de ser exercitadas por ministros plenipotenciários (às vezes o próprio chefe da nação) e por embaixadores especiais (Nelson Rockfeller, Albbink, - ilustram bem o caso), os quais vão de encontro de seus correspondentes nos países em que devem verificar os entendimentos. O avião modificando o conceito, a compreensão e a realidade prática do tempo, muito concorre para isso. “E, assim, tudo leva a crer, reconquistará a espionagem o seu tradicional prestígio, pelo menos enquanto não houver na terra suficiente número de homens de boa vontade.” (Referência à história de Royal Ock)
As atividades da Semana de Estudos no dia 21 se iniciam com um trabalho do Ten. Teodoro Nicolau Salgado - da F. Pública de São Paulo, e encarregado do policiamento da Rádio Patrulha, na parte referente ao pessoal de sua Corporação. Abordou com segurança e brilhantismo o tema "A IMPORTÂNCIA DA PRESERVAÇÃO, PELO POLICIAL DE RUA, DE LOCAIS E PEÇAS A SEREM SUBMETIDAS A EXAME POLICIAL".
A conferência esteve a cargo do Dr. José Del Pichia, Professor de Documentalogia da Escola de Polícia e Perito Criminalista da Secretaria de Segurança. O tema que o eminente técnico escolheu foi o seguinte: ”A IDENTIFICAÇÃO DA VOZ HUMANA E A PROVA JUDICIÁRIA”.
Trata-se, como vemos de assunto novo, ainda não abordado em qualquer lugar, ao que se sabe.
O conferencista, depois de examinar a teoria relativa aos sons e ruídos, faz longas considerações em torno dos esforços no sentido do reconhecimento prático da voz humana através dos métodos comuns. Destituem de qualquer valor tais estudos comparativos, indicando o perigo que representam quando se trata de um julgado judicial. Mostra que a apreciação pessoal, a opinião com base apenas em conclusos de ordem subjetivas não possui valor prático e não pode ser levada em conta, como causa certa, para os fins patrocinados pela justiça. Eis que semelhantes resultados estão sujeitos a enganos de ordem física e psicológica e, mesmo que não fossem sensíveis as possibilidades de erro, não ofereceriam fundamentos científicos, capazes de permitir uma apreciação, não somente interessadas e pela autoridade julgadora. Referiu-se ao avanço da ciência, para manifestar a sua esperança de ver em breve realizado a confecção do aparelho, cujas linhas gerais concebem, não lhe sendo possível realizar estudos mais objetivos, por falta de recursos materiais. O referido aparelho seria mais ou menos semelhante ao usado para a sonorização dos filmes, dotado de controles capazes de regular a coleta do material sonoro de conformidade com o interesse da pesquisa. Observa o conferencista que as faixas relativas à impressão sonora não tem dimensão uniforme, variando segundo a onda de sons que a impressiona. Essa circunstância o leva a esperar conseguir num futuro não muito distante - o levantamento dos gráficos das ondas, trabalho que possibilitará o julgamento científico, mediante comparação de "espécimenes", conforme procedem os peritos grafológicos.
Faz referência ainda a vários processos no Foro de São Paulo, pendentes de perícia da voz humana, confessando-se, porém impossibilitado de oferecer à justiça dados em que esta possa escudar-se para um julgamento certo, devido a ausência do aparelho adequado à realização da prova, em bases seguras e aceitáveis. A franqueza e a honestidade são os predicados morais que não podem deixar de existir num perito. E o Dr. Del Pichia os possui em boa dose, tornando-se por uso, alvo de constantes ataques que sabe enfrentar com coragem e serenidade. É mineiro, pois nasceu em Pouso Alegre, cidade a que se referiu ao nosso primeiro contato. Muito moço ainda, com notáveis trabalhos à causa pública e sincera dedicação à verdade científica que pesquisa, podemos prognosticar-lhe um brilhante futuro no campo de sua especialidade.
Os trabalhos da quinta noite, como nos programas anteriores foram iniciados pela palestra de um acadêmico, falando nessa ocasião o aluno - oficial da F. Pública do Estado - Diomar N. Torquato. O tema sobre o qual discorreu "PRÓPOLICIA" mereceu do jovem cadete esmerado trabalho em que ele procurou focalizar o injusto conceito em que a polícia, de um modo geral, é tida por parte da sociedade. O rapaz, todavia, ainda imaturo, tem o direito de ignorar que a sociedade e polícia são duas cousas distintas em uma só verdadeira. Se acaso ocorre o mau conceito, é por culpa da segunda, que se supõe elemento mais esclarecido do meio social. Não há luta entre o verdadeiro e o falso, segundo nos mostra um ético, mas ocorrem lutas em conflitos entre o falso e o falso. Sendo a Polícia um grupo social homogêneo, com nobres e racionais encargos de proteção à pessoa humana, nenhuma outra acima dela, está no dever de projetar luz sobre a sociedade, surpreendendo os erros e fazendo-a convencer por atos e não por palavras da injustiça que pratica tendo um desfavorável apreço o órgão que tanto serviço lhe presta.
Segue-se com a palavra o conferencista designado - Dr. Hércules Vieira Campos, professor do Curso de Criminologia e Criminalística, falando sobre "OS MEIOS TÉCNICOS PARA O ESCLARECIMENTO DE CRIMES". Aborda o assunto com firmeza e simplicidade, pondo em relevo o valor das pesquisas técnicas. Detém-se na análise dos exames mais conhecidos, ressaltando a sua significação em face dos interesses da justiça. Constitui objeto de exame todo e qualquer material, manchas ou impressões que possam estar circunstancialmente relacionados ao crime (pêlos, tecidos, sangue líquido ou seco, esperma, manchas de esperma, manchas diversas, diferentes impressões, etc.). O assunto não é desconhecido, mas o seu autor, técnico renomado em pesquisas criminais, penetra às vezes no delicado campo da fisiologia e da química, como autêntico vanguardeiro dos estudos dessa natureza. Foi quem sugeriu a utilização de sangue padrões de alto título para a determinação de aglutinógenos do sangue. Refere-se no progresso científico do século que muito tem coadjuvado no progresso da criminalística e lembra um exame feito já 100 anos atrás, por uma honrosa comissão de médicos franceses, para examinar a procedência de certa mancha de sangue. Mandou a referida comissão da qual fazia parte o grande Marier buscar sangue de porco, de boi, de homem e de mulher, chegando, depois de demorado exame, à conclusão que se segue: o sangue de porco tem cheiro desagradável denunciando a sua desasseada procedência; o sangue de boi produz cheiro de couro de animal e de curral; o de homem evoca o cheiro de suor, mormente das axilas, e o de mulher é agradável, Renovados os estudos foram ratificadas as conclusões anteriores apenas acrescentando àqueles resultados mais os seguintes elementos: o sangue de boi possui também o cheiro de matadouro e o de mulher de 47 anos se aproxima sensivelmente dos característicos odoríferos do homem...
A última sessão, a de 23 de outubro, foi prestigiada pela palavra erudita do Dr. Cezar Salgado. Criminalista de mérito, tendo se dedicado, quase se especializado, aos assuntos penitenciários, o ex-Procurador Geral de São Paulo, professor da Escola de Polícia, é um grande mestre de Direito Aplicado. O tema sobre o qual falou –“CRIMES DE GUERRA, RESPONSABILIDADE PENAL E PROCESSO”, proporcionou efetivamente o trabalho que todos esperávamos. O conferencista realiza judicioso estudo dos crimes de Guerra, examinando a sua natureza, a sua repercussão social e humana. Tratando, em seguida das responsabilidades, fez comentários a respeito da tese contrária a punição de tais criminosos, tese que se fundamenta, aliás, no velho princípio de que não pode haver crime que não seja antes configurado nos dispositivos legais. O ilustre jurista rebate vigorosamente esse ponto de vista, fazendo assentar a sua asserção na semelhança que existe entre os fatos considerados crimes de guerra e aqueles que são normalmente punidos em tempo de paz. Seduzir jovens ou fazer com que estas sejam seduzidas ou violentadas é crime; fazer ou determinar se faça matança de seres indefesos, pela fome, pela tortura, etc., também é crime. É crime de guerra todo ato não militar, desnecessário, que apensa consulte ignóbeis e perversos propósitos.
Convém, no entanto, obtempera o conferencista, não se perder de vista o principal elemento da execução da justiça nos crimes de guerra: o Juiz. Este deve ser neutro. Não lhe parece também de boa ética jurídica se faça regime de exceção quanto ao agente do fato criminoso. Criminoso de guerra é todo aquele que pratica crime dessa natureza. Assevera, assim, que justa seria a criação de um Tribunal que julgasse não apenas os crimes praticados pelos vencidos, mas igualmente os porventura cometidos pelos vencedores. Manifesta-se também pelo “Fórum” neutro, sempre que possível, pois não vê como se pode esperar isenção de ânimo após os cataclísmicos efeitos de uma guerra.
Não podemos encerrar os nossos comentários sem deixarmos assinalada a nossa impressão a respeito da Escola de Polícia de São Paulo. Criada em 1.39, em 19 de novembro, com a denominação de Instituto de Criminologia, diretamente subordinada à Secretaria de Segurança Pública e com o objetivo de ministrar ensino superior, técnico e profissional, não só às autoridades e funcionários da Polícia Civil, como as pessoas habilitadas a matricular em seus cursos, bem assim, a realizar investigações e pesquisas e a coligir dados e observações, feitas em outros estabelecimentos de caráter técnico ou científico, que interessem no ensino, vem desde então esse notável educandário constituindo fator preponderante de progresso de uma das mais avançadas policias do mundo.
Abro novo parêntese para uma referência à Polícia Civil de S. Paulo. O professor Del Pichia, após haver tomado parte no Congresso de Estudos Policiais ocorrido em Santiago, fez interessantes esclarecimentos aos alunos da escola de Polícia de São Paulo. Tais esclarecimentos constam do trabalho que publicou nos “Arquivos da Polícia Civil de São Paulo” ( 2º. Semestre d 1.944).
É curioso observar que a Polícia Paulista não está em situação inferior às melhores polícias da América, inclusive a célebre F.B.I. Todas elas mandaram seus representantes ao grande certâmen e foram tomados por base os relatórios por estes apresentados que o professor Del Picchia chegou à confortadora conclusão de que nesse setor não estamos atrasados. Confortadora até certo ponto, pois se examinarmos melhor os motivos que concorrem para a mais rápida evolução de uma organização policial encontraremos, em primeiro lugar, a necessidade dos serviços dessa mesma organização, o que, por sua vez, está em estreita relação com a psicologia e o nível de cultura do povo a que deve servir.
Aliás, os foros de gente civilizada e o conceito de país organizado foram seriamente comprometidos nos EEUU, quando do tremendo surto de crimes planejados, conhecidos sob a denominação geral de “gangsterismo”. E a história do saneamento dessa terrível praga social se escreve com a própria ação do F.B.I., a partir do surgimento desta.
É o imperativo de uma lei da física, lei muito elementar nas relações humanas.
Voltando à apreciação da polícia paulista, satisfaz-nos de qualquer forma saber que possuímos um instituto de defesa dos direitos públicos que faz honra, pela sua operosidade e pelo alto nível de sua pesquisa científica, em relação às nações mais civilizadas. Fechamos aqui o segundo parêntese.
Ministra a Escola de Polícia, os seus ensinamentos através dos seguintes currículos: - curso de criminologia – curso de criminalística – curso de polícia para oficiais combatentes – curso de grafo-datiloscopia bancária – curso de escrivanato – de investigação policial (2 anos), e Aperfeiçoamento para Policiais – curso de Policiamento ( 3 séries). Os dois primeiros – Criminologia e Criminalísitca - são cursos superiores. Os demais de formação profissional.
Visitando-se esse estabelecimento não é difícil ter-se uma ideia da sua significação para o império da ordem. Basta ir dos gabinetes de Química e Física à sala das armas, ao Museu de Modelagens e Moldagens, renomes entregam-se à prática de um dos mais humanos aprendizados, aquele que visa defender a vida e os impostergáveis direitos do homem, mediante a realização da profilaxia do crime. Com efeito, a função da polícia moderna é mais delicada e complexa das atividades sociais, onde a inteligência do homem substitui, paulatinamente, o casse-tête pela racional ordenação dos processos de policiamento das grandes massas (com o auxílio da educação e da sociologia), a tortura dos interrogatórios pela proveta de ensaio, pelo preparo das lâminas microscópicas ou pelos recursos da psicologia aplicada.
Estudando o crime no laboratório, através dos inquéritos ou no Museu, onde mãos de artistas reproduzem o corpo delito com impressionante fidelidade; conhecendo o homem, através de suas fichas morfo-bio-psicológicas, das atividades a que se dedica, dos mais costumeiros processos de fuga, processo em que predominam os chamados venenos sociais o álcool, o fumo, o éter, o ópio, a cocaína, a maconha tendo-os ora tão perto, no trato da vida diária, nas ruas e no bordel, na porta ou na delegacia queixado ou queixoso, ora tão longe nos subterrâneos dos conciliábulos ou no recesso inocente e sagrado de um lar bem brasileiro, está este ser essencialmente no nosso século – o policial moderno – sentindo o que poucos serem, sofrendo o sofrer alheiro, na escalada da noite, vigilante de um sossego que persiste, nos esforços indormidos dos laboratórios, travando luta, cuja vitória nem sempre sorri, em defesa do bem comum.
Ao ultimar a impressão que tivemos a honra de transmitir aos distintos camaradas é do nosso dever emitir ligeira conclusão. Antes pedimos que não leveis tudo o que dissemos ao pé da letra, pois falha é a observação humana e, mesmo alimentando o propósito de sermos fieis pode o nosso entusiasmo nos conduzir a possíveis exageros. O exagero é a mentira do homem que deseja ser exato.
Calou-nos profundamente a magnífica impressão das realizações paulistas no campo da cultura da criminologia. Muito nos pode ensinar o grande Estado irmão. Dele havemos de haurir o saber técnico cientifico, utilizando a sua rica e valiosa experiência, sem perdermos de vista as peculiaridades locais, em beneficio de boa gente deste generoso pedaço de chão.
Minas é a eterna e incorrigível incubadora de energias morais. Parece querer seguir o seu destino secular, quanto às imensas reservas de sua riqueza mineral. É do nosso feitio a prática de uma vida subjetiva, esquecidos das realidades que interferem tão intimamente com os fundamentos da nossa própria conservação. Esta se positiva quando forças estranhas ao nosso psiquismo envolvem-nos em circunstâncias que impelem a um pronunciamento, quando vemos surgir o mineiro que “dá um boi para não entrar na dança, mas dá uma boiada para não sair dela”. Foi precisamente, o que ocorreu no esporte, servindo de excelente exemplo, para Minas e, principalmente para a nossa querida Polícia Militar, as magníficas vitórias interestaduais das competições infanto-juvenil de natação.
Algo de concreto que ainda não é tempo de esquecer foram também as belas performances dos nossos oficiais nas competições das Polícias Militares e, bem recentemente, o brilho da nossa valorosa representação nas provas de tiro, no Rio Grande do Sul.
Ocorre, no entanto um fenômeno para o qual não dispomos de satisfatória explicação: - o nosso subjetivismo não nos conduz como seria de se esperar, á criação de uma mística, esse elemento tão necessário à vida afetiva, à representação mental da existência do espírito, alavanca da almejada evolução. A nossa vida moral reside muito oculta em nosso ser, inatingível aos fatos da vida consciente, influindo apensa por processos que dispensam o esforço da razão.
São Paulo, contrariamente tem na sua vida interior o impulso para as suas gloriosas arrancadas. No culto de sua mística celebra o seu ideal de grandeza. E não se mostra o paulista desrazoável com esse orgulho bairrista, pois é tão sincero e franco que não há como também se respeitar e admirar o objeto de sua admiração e do seu respeito. A importante estrada São Paulo – Jundiaí, é a vila Anhanguera, lembrando o “diabo-velho” – Bartolomeu Bueno da Silva, que foi o primeiro a rasgar esse caminho de busca de outro e de quimeras... o caminho Santos - São Paulo, o “Caminho do Pe. José”, “estrada das lágrimas”, o “caminho de Piratininga” “estrada de Lorena”, “caminho das diligências” e finalmente, encerrando esse delicado rosário da espiritualidade da nossa gente – é a famosa “Via Anchieta”. Assim trata o paulista de suas cousas, assim planta ele no fundo da alma de sua gente a semente de uma redenção. Há dias quando visitamos embevecidos os grandes monumentos de cultura, o majestoso cenáculo da inteligência que é a Escola de Direito Paulista, quiséramos rememorar o passado come essas palavras: “... e dizer que essas arcadas viram o grande Ruy”. Não, emendou-nos com um sorriso inteligente o acadêmico que nos acompanhava “ o grande Ruy é quem viu estas arcadas...”
Enquanto isso, Tiradentes, o mais alto e legitimo produto da construção da nacionalidade é, em nosso sentimento de mineiros, apensas um vago herói nacional. Não o sentimos como sentiriam os paulistas ou gaúchos se houvesse ele acaso nascido ou simplesmente feito da terra bandeirante ou do pampas o sítio de ensaio dos seus adejos em busca de liberdade.
Vemos constantemente um “porquemeufanismo” regionalista levantas as mais tolas reivindicações e, no entanto, até a pouco, ignorávamos que ao lado de D. Pedro I, às margens do Ipiranga, quando do brado de “INDEPENDENCIA OU MORTE” outra não era senão tropa de nossa Polícia Militar a que executou a histórica ordem “laços fora”. Não somos adeptos de um regionalismo prejudicial á vida da Nação, pois somos, antes de mais nada, brasileiros, todavia é comesinho, a própria estrutura da pátria comum se argamassa e se firma através de fatores dispersos, difusos, ás vezes, imponderáveis que surgem com a sociedade mais elementar – a a família – ditando-lhe o sentido da evolução, avoluma-se e define-se na cidade, onde o sentimento de emulação é índice de progresso , para afinal tomar delineamentos próprios – nos Estados unidades da mesma natureza, denominador comum, parceladas da nacionalidade. São os costumes, as dificuldades, as lendas, as histórias regionais, o folke –lore, os heróis! Um cidadão chegou perto do esguio Ipiranga e, sem saber que se referia a um relicário, perguntou a um paulista: -”moço, esse córgo é temporário?...”. Pelas reações que se seguiram entre ambos não seria difícil ao observador menos arguto concluir que o interlocutor vinha do nordeste onde a disposição orográfica regional permite que os ventos alísios, na espirituosa expressão de Floriano de Paula, penetrem pôr esses Brasis, como se isso aqui fosse casa de Mãe Joana, determinando que no tempo de seca, animal de quatro pés só escape tamborete. Mas ambos são brasileiros: um paulista, que lembra as glórias de um passado pleno de ressonâncias cívicas, o outro, nordestino, a recordar o flagelo que insidiosamente se insinua e se associa ao que de mais sagrado existe para ele – o seu torrão.
E é necessário, porém, que se diga que se São Paulo é um baluarte da nova civilização pátria, o Nordeste tem também dado ao Brasil, rijas têmperas de caráter, grandes esteios humanos. Homens entusiastas, plenos de seiva moral, apaixonados da grandeza de seu país, se espalham por todo território, numa demonstração soberba do valor do esforço honesto, indicando o valor moral do sofrimento, fazendo sentir que esse Brasil é o mesmo, e que não é a vida confortável que produz os indivíduos de que a Nação necessita para a construção de seu futuro.
Tais fatores, é obvio, os negativos como os positivos, constituem as bases da nacionalidade, não podendo esta subestimá-los, pois representam eles o complexo bio-socio-psicológico, aquele mesmo fenômeno que se observa em toda a sociedade de seres humanos civilizados. A significação do nome Anchieta, em São Paulo, quase tem força de monopólio do maior e mais valoroso dos percussores dos sentimentos cristãos em uma terra. Pelo menos ele é lá lembrado mil vezes mais do que aqui.
Contrista-nos pensar que tendo sido o maior apóstolo da liberdade um elemento da Corporação a que pertencemos, não possua esta sequer uma unidade que recorde o seu nome, sendo necessário que esses homens nos venham diluído através de um patronato que distribuí as honrarias em igual dividendo, indistintamente, á Corporação a que pertenceu o herói e a outras que só muito depois surgiram inclusive instituições civis que passaram a cultuá-lo por força do decreto presidencial.
Meus senhores devemos concluir pois essa conversa vem de longe, sendo possível que grande parte já não conserve os seus aparelhos sintonizados, devido aos efeitos da fadiga.
Falei-vos das grandezas de São Paulo e nos sentimos bem com a consciência por agirmos como julgamos de justiça. Um reparo, porém, deve ser feito e este também de justiça para com o grande Estado e observando um dever de fidelidade para com os que nos honram com a sua atenção. Desejo referir-me ao preparo do soldado no campo da matéria policial. Parece-nos que, exceção feita aos elementos do momento em funções especializadas no policiamento da Capital, todas as demais praças tem preparo aquém das necessidades sociais do glorioso Estado.
Também na F. Pública de São Paulo os programas de instrução registram a reduzida percentagem de 5% para o ensino policial; e o ensino policial é ainda representando por alguma dialética de padrão sofrível, sendo a respectiva verificação feita de maneira antiquada.
Essa incompreensão do problema se nos afigura estanha, considerando tratar-se de São Paulo, Estado de tão elevado padrão de cultura, de grande densidade demográfica e dotado de excelente Instituto de Criminologia. Atribuímos à deficiência ao fato de só há pouco haver despertado a culta oficialidade paulista para visão dos problemas de ordem social do seu Estado. Antes eram apenas bons militares. Não exerciam nem mesmo as funções policiais a não ser às vezes como Cmts. De destacamentos, e não ignoramos as ponderáveis vantagens que representam para o oficial e sua corporação o exercício da função de delgado especial, quando tal encargo recai em indivíduos capazes, moral e intelectualmente, e quando a autoridade da qual decorrem os poderes delgados põe o interesse público a frente de quaisquer outros.
Sabemos disso por experiência e podemos assim justificar o atraso da F. P. Paulista nesse importante setor.
Nesse ponto, sem dúvida, temos uma relativa frente. É a visão panorâmica e profunda do atual Cmt. Da nossa Corporação já nos permite dizer com orgulho que, se fatores de ordem material e humana impediram um aparente progresso nos conhecimentos profissionais de nossa gente, até o presente, podemos, no entanto, assinalar hoje – como crédito de um ideal em marcha – a existência na Policia Militar de três professores formados pelo mais conceituado estabelecimento de ensino policial existente no continente sul-americano. Dois desses inteligentes e esforçados oficiais de nossa milícia fizeram o curso na parte relativa ao oficial combatente, havendo nas horas de folga acompanhado como ouvintes aas aulas do Curso de criminologia; o outro, acadêmico de Direito - traz para Minas o primeiro diploma de Criminologia já ostentado entre nós.
Isso equivale dizer que estamos de posse das primeiras alavancas para realização da imprescindível tarefa social. No exercício das atribuições precípuas vemo-nos solicitados diariamente ou em ocasiões especiais, para os mais variados afazeres públicos. Começando pela vigilância preventiva que busca acautelar a existência e a propriedade e o cidadão; a ação repressiva, em colaboração com a justiça, contra os que modificam ou atentam contra o equilíbrio da vida social, as medias preventivas contra o fogo; o trabalho em colaboração com os órgãos incumbidos de proteger as matas e de fazer cumprir as leis da caça e da pesa, o auxílio na fiscalização e no combate ao comércio ilícito, a ajuda a outros departamentos, como no caso das atividades educacionais, agrícolas, sanitárias, etc.; os socorros em situações calamitosas e nas ocorrências isoladas, em regiões desprovidas de médicos ou de pessoas entendidas; a defesa da população rural; a colaboração como serviço de estatística e identificação; a proteção à população civil, como tropa militar, em casos de greve e outras perturbações intestinas; o combate á sabotagem e à espionagem e tanta cousa mais.
É evidente que essa extraordinária messe de responsabilidade nos impõe o dever de uma preparação judiciosa, para o oficial e para as praças, de modo a dotá-los de conhecimentos indispensáveis ao profícuo e consciente desempenho de tão variado quanto útil mister.
Ilustre magistrado de importante município do inteiro envia ao Comando Geral, mensalmente relatórios feitos por um modesto soldado e, referentes às atividades deste no serviço de vigilância e proteção à infância. A muitos há de parece um desvio de funções. Que tem o que ver o soldado do destacamento com a questão do menor?, Dirão. Nenhuma pessoa que procure raciocinar sobre o assunto, porém terá dificuldade me divisar o sentido humano e prático da medida. Menino abandonado hoje, o agitador, o inconformado, o recalcado, o criminoso de amanha, empenhado já então nas diligências para a repressão de seus atos não um soldado, mas um grupo de soldado. No banco, contar o crime representa esse homem posto à disposição do Juiz, o mais rendoso capital, os maiores juros que a sociedade poderia aspirar no empate de seus valores humanos. Dewey cita Horácio Mann quando assim se expressa: “Onde quer que alguma cousa esteja crescendo, um formador vale por um milhão de reformadores”.
Senhores, servir à sociedade não é copiar o que se fez ontem para aplicar no dia de amanhã por isso, que agir assim é desservi-la, que não propositadamente, pelo menos pr imprevidência. Não é de inteligente propósito ignorar os humanos efeitos da dinâmica social que impões e concretiza a ideia de evolução constante, modificando consequentemente a noção de necessidade.
Dizermos das razões de um curso especializado para formar os futuros comandantes de destacamento é expressarmos algo que se impõe e isso ocorre á maioria dos que constituem a nossa milícia. Dizemos, em continuação, que desse curso devem constar, além das matérias da rotina policial, outras tais como noções de sociologia, de psicologia e serviço social e de higiene e também fazer uma afirmação que acreditamos de remarcado interesse público.

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