segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

1972 - Município: Célula Base do Desenvolvimento Nacional

CAMARA DOS DEPUTADOS
MUNICÍPIO: CÉLULA E BASE DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL
DISCURSO PROFERIDO NA SESSÃO DE 25 DE OUTUBRO DE 1972.
DEPARTAMENTO DE IMPRENSA NACIONAL – BRASÍLIA, 1973

O SR. MANOEL DE ALMEIDA
Sr. Presidente, Srs. Deputados, há alguns dias tive a oportunidade de proceder à leitura de trechos da tese elaborada pelo professor brasileiro Paulo Reis Vieira ao concluir curso de doutorado na Universidade do Sul da Califórnia.
Dentre outras premissas levantadas por aquele ilustre patrício ressalta, de início, a que demonstra de forma cabal e irrefutável que o território brasileiro não se encontra tão retalhado em unidades municipais como costumam apregoar os defensores da tese de já é muito grande o número de municípios brasileiros.
O citado mestre fez um levantamento entre 45 países de todos os continentes, e constatou que o Brasil ocupa um dos últimos lugares ao se calcular a proporção entre as unidades municipais por Km2 ou entre a população média por unidade municipal.
Assim é que enquanto em nosso País a 1ª. das relações citadas, número de municípios por km2, é igual a 0,0004, nos Estados Unidos é de 0,01; no Reino Unido, 0,07; no Peru, 0,001; na República Dominicana, 0,004; na Suíça, 0,08; na Espanha, 0,02.
Se analisamos a 2ª. relação, referente à população por unidade municipal, verificaremos que o Brasil é um dos países onde a média de habitante por unidade municipal é das mais elevadas, desde que é igual a 20.540 habitantes por município, enquanto nos Estados Unidos é de 2.07; o Reino Unido 3.261; na Itália 6.465; na Venezuela 12.75; na Espanha 3.373.
Observa-se, pois, que não existe razão plausível para justificar-se a tese, defendida por algumas, de que a rarefação municipal no Brasil está a indicar a necessidade de um reagrupamento dessas Unidades, de forma a propiciar a sobrevivência daquelas que se encontram em grave crise econômica, financeira e administrativa.
Sou radicalmente contrário a essa orientação, em face de motivos os mais diversos. Em primeiro lugar ela parte de uma premissa inteiramente errada, conforme acabo de anunciar ao transmitir à Casa o valioso testemunho de um eminente mestre brasileiro, quando se encontrava nos Estados Unidos completando seus estudos para obter o título de doutorado, desde que, segundo esse magnífico trabalho, da divisão municipal do Brasil não resultou fragmentação excessiva de área territorial, nem tampouco sensível pulverização dos seus índices populacionais.
A criação de um município implica necessariamente a formação de um núcleo de maior concentração populacional dentro da nova área municipal, oriundo de uma vila ou de um povoado, que obtém, assim, o status de sede da nova comuna.
Os serviços essenciais começam a se instalar com mais intensidade na nova sede municipal, iniciando-se, por igual, mais acentuada concentração de cidadãos para examinar o melhor método de conduzir os problemas da nova unidade político-administrativa.
Surgem então as pressões sobre os governos locais, partidas da população citadina e dos líderes rurais, no sentido de dotar o município recém-criado de um mínimo de serviços essenciais, capazes de conferir à sua população as vantagens inerentes ao progresso da humanidade, criadas para a satisfação dos seus anseios de civilização, como também para propiciar melhores condições de vida ao seu povo.
Daí resulta a tese geral de que, ao se criar uma nova unidade municipal, se estabelece por igual naquele ponto uma força criadora de um processo de desenvolvimento.
Nem sempre as autoridades da novel comuna podem atender às pressões que recebem, mas transformam-se elas em outras forças vivas, que pressionam as autoridades dos Estados e da União, no sentido de obter desses Poderes as vantagens que constituem reivindicação mais acentuada das populações locais.
O Município de Formoso, por exemplo, era antes um Distrito do Município de São Romão, na região limítrofe com o Estado de Goiás, a 360 Km da sede. Talvez tenha sido o mais esquecido dos distritos mineiros. Apesar de transformado em novo município, não conseguiu obter grande desenvolvimento, possivelmente em decorrência dos fatores adversos que contribuem para emperrar o seu progresso. No entanto, da sua criação resultou efetivamente um fato altamente positivo: daí em diante a sua sede transformou-se em núcleo que passou a irradiar as instruções e decisões que beneficiariam a vasta zona rural do município, antes inteiramente abandonada.
Em que se pese a pouca experiência administrativa de suas lideranças, algo se vem fazendo em favor daquela comunidade.
No entanto, pelas suas características. Formoso continua um daqueles municípios desmembrados que deveriam ser reagrupados. Tal decisão produziria um efeito realmente catastrófico para a comunidade, desde que se suprimiria o único apoio de que se vale hoje a sua população, já habituada ao novo status. Não seria muito mais acertado que se procurasse instruir as lideranças sociais enquanto conferisse a esse município nova estrutura político-administrativa, mais consentânea com a realidade que o cerca?
Esse exemplo de Formoso não poderia ser aplicado aos demais municípios novos, criados em razão do desmembramento das outras unidades que lhes deram origem?
Formoso não constituiu um município fantasma, conforme com efeito pode ter ocorrido com algumas cidades surgidas naquela época em outros Estados da Federação. Ali se encontra a sua sede, modesta é verdade, com a sua Prefeitura e os demais prédios públicos essenciais, transmitindo aquele calor humano tão necessário para fortalecer o cidadão na luta contra o meio adverso e hostil, assegurando uma cobertura para o atendimento das necessidades mais prementes da população local.
Como ser poderá destruir tal benefício, que é real, patente, palpável mesmo, sem que se destruam as mais justas esperanças da população que ali vive sob o impulso da nova administração instalada no local?
Mesmo admitindo-se a hipótese de que a criação de determinado município não foi precedida de um estudo mais cuidadoso, nem tenham sido antecipadamente examinados os fatores sócio-econômicos da nova unidade e que o seu surgimento foi fundado em critérios predominantemente políticos, mesmo assim a sua extinção representará retrocesso. Posição que, por igual, demonstra absoluta incoerência, pois está em flagrante contraste com a política do Governo, de ocupação dos espaços vazios do território nacional. Aí estão a Transamazônica, as Agrovilas, as Microvilas, às quais o Presidente Médici vem oferecendo decisivo apoio indo pessoalmente verificar a sua localização, construção e funcionamento.
Sr. Presidente e nobres Srs. Deputados, deve-se ter sempre que, de um modo geral, as deficiências existentes nas administrações municipais decorrem principalmente de defeitos do próprio sistema, que estabelece como base da arrecadação das receitas municipais tributos baseados em taxação de riquezas.
Ora, um município em formação não pode ter um orçamento equilibrado se a sua arrecadação se assenta na taxação de imposto predial, desde que, numa cidade recém-criada, tal aspecto é por demais incipiente e precário, por isso mesmo que sua economia é pobre e consiste principalmente na atividade rural primária.
Esses mesmos erros se cometeram no lançamento da maioria dos tributos, restando ao Poder Municipal aguardar o recebimento da sua cota de participação no Imposto sobre a Renda e no Imposto sobre Produtos Industriais, ambos de responsabilidade da União, ou no Imposto de Circulação de Mercadorias cuja arrecadação é atribuída aos Estados. Desse fato, resulta continua dependência dos Governos Municipais para com os dos Estados e da própria União.
Aliás, a fase de desenvolvimento econômico e social em que se encontra o nosso País exige a descentralização dos serviços, restando à União a programação geral e a execução daqueles trabalhos que são de sua exclusiva competência. Para isso, torna-se necessário que se altere o sistema tributário brasileiro, de forma a ampliar a receita própria de cada entidade.
Esse crescimento da receita dos municípios ensejará a cada unidade municipal cuidar dos serviços sociais de sua comunidade, como os educacionais, sanitários, recreação, cultura, etc.
Também quer-me parecer que os trabalhos técnicos, como os de fomento agrícola, deveriam caber aos governos municipais, pois que estarão estes mais em contato com as comunidades rurais, melhor sentindo os problemas que as afligem e discutindo juntamente com elas as soluções mais indicadas. A transferência dessas tarefas para a responsabilidade dos Governos locais não impede que continuem privativos destes aqueles serviços que já são por tradição de sua exclusiva competência.
O fenômeno de redistribuição de encargos tem uma dupla significação: a de fazer passar para os governos dos municípios aquelas tarefas que melhor se enquadram no âmbito das respectivas atribuições, enquanto se libera a União para o planejamento global e para a execução de trabalhos que, por sua natureza, terão que continuar a ser feitos sob a responsabilidade do Governo Federal, os quais não poderão, em face de razões diversas, ser delegados aos Governos dos Estados nem tampouco às autoridades municipais. Além destes, há os de natureza normativa.
A execução daquelas tarefas transferidas aos Governos municipais, embora caiba a cada unidade local, não poderá nem deverá ser feita aleatoriamente. Terá de obedecer a uma programação geral, estabelecida pelo Poder Central, de forma que a soma das tarefas de cada unidade municipal, embora executadas pelos governos locais isoladamente, venha a constituir, no seu conjunto a harmonia programática da ação do Governo.
São essas particularidades do problema que deverão ser cuidadosamente examinadas, a fim de que se prepare a administração municipal para assumir o encargo de tal execução. A difusão de fases continuas de treinamento é essencial para o sucesso dessa nova metodologia, cumprindo à União e aos Estados o encargo de promover tal processo sob forma intensiva, com a responsabilidade dos órgãos incumbidos dessa tarefa nas duas esferas administrativas citadas.
O preparo dessas equipes, que irão constituir a base de funcionamento desse novo sistema, é na realidade condição fundamental para o respectivo êxito. Cada grupo será orientado no sentido de cuidar da execução de determinado setor, cumprindo-lhe, em casos específicos, a elaboração de um programa de execução, de forma que o trabalho corra normalmente, livre de tumultos decorrentes da falta de metodologia própria.
A pobreza das comunas brasileiras decorre, pois de um processo errôneo de entendimento, quando, ao se conferir atribuições a cada uma delas, quer parecer mais que se lhes concede um favor, muito embora na realidade essa subdivisão de encargos e de responsabilidades seja de exclusivo interesse do Pais, desde que tal formula ensejará a oferta de trabalhos sociais e técnicos mais eficientes, por mais baixo custo, desde que todo o conjunto funcionará com mais regularidade. Agir de modo diferente sem subestimar a função da célula, na convicção de que a atividade do órgão e do organismo que a incluem, pudesse suprir aquele primado.
A tese aventada de que se tem apurado vários casos de má aplicação de recursos decorre exatamente da falta de melhor treinamento do pessoal incumbido da administração municipal, que lhe enseje enquadrar a aplicação de tais recursos em serviços importantes para a comunidade, criando-se para isso, inicialmente, a respectiva infra-estrutura material e de mão-de-obra especializada.
A corrupção administrativa de que resulte a aplicação fraudulenta de recursos não pode nem deve ser motivo de discussão para obstacular esse processo de divisão de encargos num programa geral de desenvolvimento, por que para isso já existe o remédio legal previsto no Código Penal Brasileiro e, ainda, a legislação pertinente a tais casos.
Naquele estudo realizado pelo Prof. Reis Vieira, ao qual já me referi, verifica-se que, entre outros fatores, a idade do País como nação independente e o crescimento da taxa do produto nacional bruto, inclusive o desenvolvimento dos meios de comunicação, acarretam, pari passu, um processo correspondente de descentralização, dotado de intensidade semelhante. Desde que o Brasil se encontra em fase de desenvolvimento, apresentando cada ano taxas elevadas de crescimento do seu produto interno bruto, havendo, por igual, sensível evolução dos meios de comunicação, a tese do reagrupamento de algumas unidades municipais representaria uma flagrante incoerência com os sistemas hoje vigentes, dos quais já se utilizaram outros países para atingir o estágio de desenvolvimento que hoje ostentam.
Acresce, ainda, que uma sede municipal, por mais modesta que seja, representa sempre a a presença do poder público em determinados pontos do território pátrio, os quais, a partir da implantação ali da sede do Governo local, já começaram a carrear benefícios para essa comunidade, em maior ou menor grau.
No momento em que o Governo Federal desfralda a bandeira da ocupação da Amazônia, cumpre cuidar de preparar a estrutura municipalista daquela região para os encargos que lhe forem cometidos dentro daquela sistemática antes proclamada, que transfere aos municípios a execução dos serviços sociais e técnicos, os quais passarão a ser exercidos de preferências por elementos locais, com maior vivencia da região, e, em conseqüência, mais aptos ao pleno exercício dessas tarefas. Não é sem motivo que a cultura se interioriza, com a implantação dos campus universitários em áreas pioneiras.
Aliás, o Decreto-Lei no. 200-67, que estabelece a Reforma Administrativa, foi sábio em determinar que a execução de programas de caráter nitidamente local devera ser delegada aos órgãos estaduais ou municipais incumbidos dos serviços correspondentes.
O legislador soube prever com muita sabedoria que o desenvolvimento nacional somente poderia se processar normalmente se houvesse essa divisão de atribuições, evitando a sobrecarga de tarefas sobre a União, enquanto os Governos locais, que melhor poderiam exercitar muitos serviços, ficariam perdidos na ociosidade, sem um programa de atendimento imediato às necessidades prementes da comunidade.
Como poderá atingir uma fase de maior mobilidade da máquina administrativa federa, se cada hora se aumenta a sua carga de tarefas que constituem encargos nitidamente afetos aos Governos dos Municípios? Foi por isso que o decreto-lei aludido, base da Reforma Administrativa, decidiu dividir os encargos com os órgãos próprios de cada Governo, do Estado ou do Município, de forma a se obter melhor e mais eficiente desempenho.
A autonomia política e administrativa, que a Constituição brasileira concede ao município, constituiria realmente uma orientação bastante avançada não fora a dependência que sujeita os municípios aos demais Poderes, do Estado e da União.
Cabe, pois aos organismos incumbidos de prestar assistência aos municípios uma posição deveras importante nesta fase, qual seja a de laçar as bases de uma programação objetiva com vistas a tal finalidade.
A penetração da Amazônia terá de ser seguida da criação de várias unidades locais, à medida que novos núcleos populacionais se vão criando, de foram a se obter ali a redução da incidência elevada de municípios com áreas muito grandes. Trinta e cinco por cento das unidades locais da região possuem área variável entre 10.001 até 50.000 quilômetros quadrados, quando no nordeste tal percentual se reduz a 1,3%, na região sul é nula e na sudeste equivale a um décimo por cento.
O SR. LOMANTO JUNIOR – Nobre Deputado, quero cumprimentar V. Exa. pelo magnífico discurso que pronuncia sobre temas dos mais oportunos. Tendo sido, por duas vezes, Prefeito e Líder na Câmara dos Vereadores do meu Município, nos primórdios de minha vida pública, venho acompanhando o evolver da situação municipal desde aquela época. Na presidência da Associação Brasileira de Municípios cheguei à conclusão, conforme já havia dito em discurso que pronunciei ano passado, de que necessitam os municípios de maiores recursos, especialmente aqueles de capacidade financeira reduzida. Também declarei que seria um retrocesso a anexação dos municípios. Configuraria mesmo erro grave, porque essas comunidades já gozam de autonomia. Apenas carecem de recursos, para que possam continuar seu desenvolvimento. Portanto, felicito V. Exa., pelo magnífico discurso que pronunciou nesta tarde e pelas sugestões que endereça ao Governo da República. Estamos certos de que precisamos cada vez mais fortalecer os municípios, caro Deputado, pois são eles sem dúvida alguma, as células que constituem o organismo nacional. E, quando uma delas se debilita, está enfraquecida toda a Nação.
O SR. MANOEL DE ALMEIDA – Agradeço a Vossa Excelência o aparte, tanto mais honroso por ter partido de quem foi o Presidente do órgão máximo dos Municípios, eleito com tanto entusiasmo. A passagem de V. Exa. pelo municipalismo representou importante degrau na sua gloriosa ascensão à vida política, que tanto honra o seu Estado e o Congresso Nacional. A sua intervenção é a de um grande técnico em municipalismo brasileiro, e reforça sua experiência como Governador de uma das mais importantes Unidades da Federação. Ilustre Deputado Lomanto Junior, é pois, com muito prazer que incorporo ao meu pronunciamento a manifestação de V. Exa.
Sr. Presidente e nobres Srs. Deputados, está cabalmente demonstrado que o desenvolvimento do Brasil deverá ser acompanhado da subdivisão de atribuições da União com os Governos locai. Deve-se reconhecer que a extinção de municípios vai gerar problemas difíceis para as populações onde ocorrer tal reagrupamento.
Com base nessas premissas é que deve ser o problema devidamente estudado, para que desse esforço conjunto resultem soluções corretas, capazes de promover o bem comum e o desenvolvimento integrado do Brasil.
Será através desse procedimento que se irá gradativamente corrigindo o difícil problema da distribuição de renda, que é um dos defeitos de se ressente o programa de desenvolvimento do País.
Se isso ocorrer, poderá em breve o 3º. Governo da Revolução, verificar haver promovido o crescimento da economia nacional com a distribuição da riqueza, resultante desse avanço, entre maior numero de brasileiros, pois beneficiaria maior numero de regiões. Igualmente, será conduzida maior soma de recursos para regiões esquecidas do território pátrio embora todas sejam dignas de continuas lembranças de parte dos homens responsáveis pelo progresso nacional.
É esta a sugestão que transmito ao Governo do ilustre General Emilio Médici, na certeza de que haverá da parte de Sua Excelência plena compensação para com o problema difícil que cerca os municípios brasileiros, nesta hora de grandes dificuldades para a comunidade nacional.
Era o que tinha a dizer. ( Muito bem; muito bem. Palmas. O orador é cumprimentado.)

Um comentário:

  1. Paula, parabéns pela postagem, quero informar que sou filho de Orlando Carneiro de Januária, o mesmo é parente do coronel Almeida, foi praticamente criado por ele. Moro em Januária e trabalho na Caio Martins. Gostaria de comunicar mais com vocês. Abraços - cchristianomaciel@yahoo.com.br

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